sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Fusão...


Depois de uma época Natalícia atribulada, regresso, já bem perto do final do ano de 2007, com a esperança de quem vê renovar-se os votos de mais um ano novo.
E é em ambiente de festa que faço aqui uma pausa na Criação de Haydn para partilhar convosco um extraordinário intérprete de música. Poderemos ceder á tentação de classificar a sua música como jazz ou pôr outro rótulo qualquer,isso não importa.
O trio de Jacques Loussier e a sua "mania" de tocar no intocável... Bach. Os puristas escandalizam-se, e talvez Bach sorria, ele próprio um experimentador, um elaborador de sínteses de correntes diversas. Aquela vontade de tocar ao estilo italiano (leve, melodioso e vocal) juntando-o à atmosfera um pouco pesada do contraponto germânico, tal como a irreprimível vontade de experimentar novos instrumentos e sonoridades.
Por isso a sua música é universal e eterna, mesmo quando tocada com novos instrumentos: contrabaixo, bateria, piano ou ainda quando submetida às variações jazzísticas e progressões harmonico-rítmicas actuais.
O que faz este trio de especial ? Bem, na minha opinião não se limita a harmonizar, se quisermos, "vestir" uma melodia pré-existente com um novo arranjo instrumental e harmónico. Este procedimento abunda no mercado discográfico: Vivaldi em "jeito" de música Celta por exemplo (Atenção, nada tenho contra !!).

Mas o que temos aqui é algo diferente: pegando no "sagrado" texto musical do mestre como ponto de partida, é possível criar algo novo... É caso para dizer que neste caso o conjunto vale mais que a soma algébrica das suas partes. E talvez Bach sorria !!!!




Piano: Jacques Loussier;


Contrabaixo: Vincent Charbonnier;


Percursão: André Arpino



O site oficial: http://www.loussier.com/pages/news.cfm?lngupdate=en



quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Repleto de Nobreza e Dignidade

Deixando um pouco de lado o fausto instrumental que ilustra a criação das grandes forças da natureza (voltaremos a esse registo em próximos posts. Até porque temos ainda que regressar ao caos primordial...). Retenho-me agora num momento mais intimista e sereno, mas não menos belo da criação do Homem e da Mulher. Esta música genial é também a elevação da humanidade á imagem de Deus segundo a concepção saída das Luzes e oposta aquela que emana, por exemplo, da música sacra de Bach onde o Homem pecador nada é em face de Deus.
A criação do Homem e da Mulher é narrado em recitativo pelo anjo Uriel que, em seguida, inicia a belíssima ária: "Mit Würd’ und Hoheit angetan" (Repleto de nobreza e dignidade,) que constitui nem mais nem menos que a última música que Haydn ouviu antes de falecer.
No dia 9 de Abril de 1809, a Áustria e a França entram em guerra e as tropas francesas atingem rapidamente as portas de Viena. A casa de Haydn estava próxima da linha exterior do bairro suburbano de Gumpendorf. Este suportou, apesar da avançada idade os bombardeamentos franceses próximos. Mesmo assim, todos os dias, por volta do meio dia sentava-se no seu pianoforte e tocava o seu Lied favorito "Gott erhalte Franz den Kaiser" que é hoje a música o hino da Alemanha. O prestígio de Haydn era tal que vários oficiais franceses faziam uma pausa na guerra para o ir visitar após o que voltavam para o lado inimigo. A última dessas visitas vem relatada numa carta de um dos amigos próximos de Haydn:


"No dia 24 de Maio, às duas da tarde, enquanto Haydn fazia a sesta, um oficial dos hussardos francês foi visitá-lo (...) Haydn recebeu-o, falou com ele de música e em particular da Criação, e mostrou-se tão vivo de espírito que o oficial lhe cantou em italiano a ária [da criação do homem] "Mit Würd’ und Hoheit angetan ". (...) Ao fim duma meia hora, o oficial voltou a montar a cavalo para avançar contra o inimigo, (...) Esperemos que este nobre cavalheiro venha um dia a saber que foi ele que proporcionou a Haydn a sua última alegria musical, porque depois disso ele não ouviu a mais pequena nota."



"É para ele felicidade, amor e delícia"





No. 24. ÁRIA
URIEL

Mit Würd’ und Hoheit angetan, (Repleto de nobreza e dignidade,)
it Schönheit, Stärk’ und Mut begabt, (dotado de beleza, força e coragem,)
Gen Himmel aufgerichtet steht der Mensch, (erguido para o céu, o homem eleva-se)
Ein Mann und König der Natur. (como rei da natureza.)


Die breit gewölbt’ erhabne Stirn (A sua ampla e limpa fronte)


Verkünd’t der Weisheit tiefen Sinn. (revela sua profunda capacidade de entendimento.)


Und aus dem hellen Blicke strahlt (E no seu claro olhar brilha o espírito,)
Der Geist, des Schöpfers Hauch und Ebenbild. (o hálito do Criador e a sua própria imagem.)


An seinen Busen schmieget sich (No seu peito abraçada,)
Für ihn, aus ihm geformt, (dele e para ele criada,)
Die Gattin hold und anmutsvoll. (a esposa, atraente e adorável.)
In froher Unschuld lächelt sie, (Com alegre inocência sorri,)
Des Frühlings reizend Bild, (como encantadora imagem da primavera.)
Ihm Liebe, Glück und Wonne zu. (É para ele amor, felicidade, delícia.)


domingo, 16 de dezembro de 2007

Musica Programática. "Pintar" com música

Quase toda a música de "A Criação" é programática, ou seja, evoca acontecimentos ou paisagens por oposição à chamada "música pura" ou abstracta.

A "ilustração musical" existiu em várias épocas da história da música embora fosse apresentando diferenças, basta lembrar as "Quatro Estações" de Vivaldi ou a "Sinfonia Fantástica" de Berlioz (Teremos oportunidade de falar sobre isso no futuro).

Em relação a Haydn, a influência sinfónica está bem patente na sua música programática, onde predomina a hábil utilização de timbres e efeitos orquestrais (em maior extensão do que no Barroco por exemplo) para além, claro, da harmonia (o conceito de harmonia é talvez difícil de apreender por isso não vou, para já insistir neste ponto)
Hoje proponho um excelente exemplo de música programática tal como Haydn a concebia e que se tornou o paradigma do periodo Clássico até Beethoven abrir as portas do Romantismo.
Nesta passagem (nº 4-7) intervêm Rafael (já apresentado num post anterior), Gabriel e o coro.

O anjo Gabriel é, dos três que intervêm na oratória, talvez o mais conhecido. Aparece na Biblia em vários momentos chave como a anunciação da Virgem, mas também no Corão interpelando o profeta Maomet.
A iconografia de Gabriel representa-o sempre como um ser de sexo ambíguo: as feições delicadas e os cabelos longos e louros tanto podem corresponder a uma mulher como a um rapaz jovem. Não espanta, portanto que Haydn tenha escolhido uma voz de soprano para o interpretar.

Estamos no segundo dia da Criação logo após todo o caos e terror ter caído num profundo abismo.
Rafael descreve em recitativo a separação entre as águas acima e abaixo do céu.
O que se segue é a descrição de diversos fenómenos atmosféricos. A sequência extraordináriamente simples de seguir: a orquestra começa por ilustrar um fenómeno e de seguida o anjo Rafael explica: Apenas é necessário ouvir com atenção... Chamo só a atenção para a descrição musical da neve, faz-me sempre lembrar o poema "batem leve, levemente..."
O segundo dia termina com Gabriel e o coro a louvar a obra de Deus.
Depois das merecidas celebrações voltamos ao recitativo com a voz grave do anjo Rafael para presenciar a criação e baptismo da Terra e do Mar com o adequado acompanhamento musical.
A ária "Rollend in schäumenden Wellen" comove-me sempre. É o culminar perfeito: todos os recursos da orquestra são usados na descrição do mar revolto, aparecimento de rochas e montanhas (notar as escalas ascendentes), o movimento do rio e o murmurar do riacho (um convite à imaginação !)... e a mestria de Haydn não necessita de mais provas.



No. 4 RECITATIVO
RAFAEL

Und Gott machte das Firmament (E Deus fez o firmamento)
und teilte die Wasser, die unter dem Firmament waren, (e separou as águas que se encontravam sob o firmamento)
von den Gewässern, die ober dem Firmament waren (das águas que estavam sobre o firmamento,)
und es ward so. (e assim foi)

[Descrição musical das tempestades]
Da tobten brausend heftige Stürme; (Então desencadearam-se ruidosas e violentas tempestades;)
[descrição musical das nuvens empurradas pelo vento]
wie Spreu vor dem Winde, so flogen die Wolken, (as nuvens se abriram como palha empurrada pelo vento,)
[Descrição musical dos raios]
die Luft durchschnitten feurige Blitze. (raios ofuscantes rasgaram o ar)
[Descrição musical dos trovões]
und schrecklich rollten die Donner umher. (e os trovões ribombaram por toda a parte.)
[Descrição musical da chuva]
Der Flut entstieg auf sein Geheiß der allerquickende Regen,(Por Sua ordem surgiram das nuvens a refrescante chuva,)
[Descrição musical do granizo]
der allverheerende Schauer ( o devastador granizo)
[Descrição musical da neve]
der leichte, flockige Schnee. (e a leve e macia neve.)

No. 5 CORO COM SOPRANO
GABRIEL

Mit Staunen sieht Wunderwerk (Com assombro contempla o prodígio)
Der Himmelsbürger frohe Schar, (a alegre legião de anjos do céu,)
Und laut ertönt aus ihren Kehlen (e em voz alta ressoa nas suas gargantas)
Des Schöpfers Lob, (o louvor do Criador,)
Das Lob des zweiten Tags. (o louvor do segundo dia.)

CORO

Und laut ertönt aus ihren Kehlen (E em voz alta ressoa nas suas gargantas,)
Des Schöpfers Lob, (o louvor do Criador,)
Das Lob des zweiten Tags. (o louvor do segundo dia.)

No. 6 RECITATIVO
RAFAEL

Und Gott sprach: Es sammle sich das Wasser (E Deus disse: Juntem-se as águas)
unter dem Himmel zusammen an einem Platz (num lugar sob o céu )
und es erscheine das trockne Land: und es ward so. (e apareça seco o chão; e assim foi.)
Und Gott nannte das trockne Land "Erde" (e Deus chamou a terra seca de "Terra")
Und die Sammlung der Wasser nannte er "Meer"; (e "mar" o conjunto das águas;)
und Gott sah, daß es gut war. (E Deus viu que isso estava bem.)



"Em espumosas ondas"

No. 7 ÁRIA
RAFAEL

Rollend in schäumenden Wellen (Em espumosas ondas)
Bewegt sich ungestüm das Meer. (O mar se agita impetuosamente.)
Hügel und Felsen erscheinen, (As colinas e as rochas aparecem)
Der Berge Gipfel steigt empor. (e surgem os cumes das montanhas.)
Die Fläche, weit gedehnt, (O largo rio percorre)
Durchläuft der breite Strom (a extensa planície)
In mancher Krümme, (em numerosos meandros.)
Leise rauschend gleitet fort (O claro riacho desliza)
Im stillen Tal der helle Bach (com suaves murmúrios pelo vale tranquilo.)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

"Im Anfange schuf Gott Himmel und Erde" e a criação da luz

Imediatamente antes da ária que comentei no post anterior: "Nun schwanden vor dem heiligen Strahle"; aparece essa maravilhosa sequência que culmina na criação da Luz. Aqui podemos ver um Haydn no domínio pleno da harmonia e dos timbres orquestrais fazendo a ilustração musical perfeita de um acontecimento que poucos pintores conseguiriam captar.
Nesta passagem intervém o arcanjo Rafael que, no "Paraíso Perdido" de Milton (uma das fontes do libretto), é o anjo enviado por Deus para admoestar Adão pela sua desobediência e é também ele que descreve a Adão a criação do novo mundo. Aqui, também vamos poder ouvir um exemplo do que é um recitativo e também o uso da orquestra na ilustração do texto.

Após a famosa introdução (aquela que descreve o caos primordial), Rafael (com a sua voz grave de baixo) começa, em recitativo, a contar a história: "No início, Deus criou o céu e a terra" e logo o coro intervêm descrevendo o espírito de Deus planando á superfície das águas.

Para o milagre da criação da luz, Haydn usa o mais simples mas também mais poderoso dos meios orquestrais: Um silêncio...seguido de um pizzicato...orquestra e coro em pianissimo... e uma explosão do tutti orquestral sobre o acorde de dó maior.

Sobre este momento contam-se várias histórias curiosas. Primeiro, parece que Haydn ensaiou em segredo com a sua orquestra esta explosão, de modo que, no dia da estreia a surpresa foi geral, de tal forma que o público não se conteve e explodiu em aplausos incontroláveis. Desde então e durante muito tempo era costume o público aplaudir logo após esta passagem. Conta-se ainda que o respeitável compositor, de sentido de humor apurado, divertia-se dizendo às pessoas que o pizzicato imediatamente antes do tutti, representava Deus a tentar acender um fósforo !!!

Por fim a voz "brilhante" do tenor Uriel reforça a "iluminação" criando o ambiente para a ária seguinte (que já conhecemos) que está em La maior (uma tonalidade também "luminosa").

Apreciemos então...





RECITATIVO COM CORO

RAFAEL

Im Anfange schuf Gott Himmel und Erde, (No princípio Deus criou o céu e a terra,)
und die Erde war ohne Form und leer, (e a terra era amorfa e estava vazia,)
und Finsternis war auf der Fläche der Tiefe. (e as trevas cobriam a superfície do abismo.)

CORO


Und der Geist Gottes (E o espírito de Deus planava sobre)
Schwebte auf der Fläche der Wasser. (a superfície das águas.)
Und Gott sprach: Es werde Licht! (E Deus disse: Faça-se a luz!)
Und es ward Licht! (E a luz se fez.)

URIEL

Und Gott sah das Licht, daß es gut war, (Deus viu que a luz era boa,)
und Gott schied das Licht von der Finsternis. (e separou-a das trevas.)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

"Nun schwanden vor dem heiligen Strahle"

Para ilustrar o post de hoje preferi não iniciar com a famosa introdução (a representação do caos) de "A Criação", maravilhosa mas talvez mais difícil de apreciar por "ouvidos inexperientes".
Assim optei por uma das minhas passagens favoritas e que, creio ilustrar na perfeição todo o espírito desta obra assim como a mestria do Haydn.
Trata-se da primeira ária do oratório "Nun schwanden vor dem heiligen Strahle" (Então, diante dos raios sagrados se desvaneceram) e que é cantada pelo tenor que interpreta Uriel e a posterior intervenção do coro. Como curiosidade refira-se que o anjo Uriel "o fogo de Deus", está associado a vários aspectos da tradição judaica: é simultaneamente guardião do paraíso e também detentor da chave que abrirá as portas do inferno no final dos tempos sendo apresentado como um executor implacável da justiça de Deus.

Voltando à oratória, estamos no final do primeiro dia, logo após a criação da luz (momento extraordinário a que voltaremos um dia destes) e a ária começa gentilmente descrevendo o desaparecimento das trevas e assinalando o nascimento do primeiro dia em que a ordem impera sobre o caos. No entanto, a elaboração orquestral deste episódio deixa antever que Haydn tinha mais em mente do que este afável lirismo. De facto a fuga dos espíritos infernais para o abismo conduz a música para a tonalidade de dó menor e uma certa agitação na orquestra. A queda dos espíritos arrasta consigo todo o desespero, fúria e terror que é cantado por um coro sobressaltado. A ária não termina sem o regresso á calma com triunfo da palavra de Deus.
Esta "simetria por contraste" (lirismo/agitação/lirismo) é uma das características típicas do Classicismo.


URIEL

Nun schwanden vor dem heiligen Strahle (Então, diante dos raios sagrados se desvaneceram)
Des schwarzen Dunkels gräuliche Schatten: (As sombras e as horríveis trevas:)
Der erste Tag entstand.(Nasceu o primeiro dia)
Verwirrung weicht, und Ordnung keimt empor.(A confusão cede e a ordem impõe-se)

Erstarrt entflieht der Höllengeister Schar (Horrorizada, a multidão de espíritos infernais foge)
In des Abgrunds Tiefen hinab (Para as profundezas do abismo)
Zur ewigen Nacht. (Para a noite eterna)

CORO

Verzweiflung, Wut und Schrecken (Desespero, fúria e terror)
Begleiten ihren Sturz, (Acompanham a sua queda)
Und eine neue Welt (E um novo mundo)
Entspringt auf Gottes Wort. (Surge criado pela palavra de Deus)



Pieter Brueghel "A queda dos Anjos"

Uma nota final apenas para dizer que a interpretação continua a ser da Collegium Musicum Salzburg (como no post anterior). Não é das minhas favoritas: um tempo mais rápido permite ao coro transmitir melhor a agitação que acompanha a queda dos demónios no abismo. De qualquer forma, esta versão cumpre a sua função...

domingo, 9 de dezembro de 2007

Die Schopfung

Prometi há tempos voltar a escrever sobre "Die Schopfung" (A criação) do compositor Franz Joseph Haydn. Aliás, devido à quantidade de tesouros que encerra, terei que voltar ao tema algumas vezes. Sempre que me ponho a ouvir esta obra, espanta-me o facto de ser tão pouco ouvida e executada entre nós e avancei já (num post anterior) algumas prováveis razões para justificar esse facto.
"A Criação" pertence ao género do oratório que tinha atingido o seu apogeu durante o Barroco e que se encontrava em declínio em finais do século XVIII, embora Haydn já tivesse composto o "Stabat Mater" (1767), "O Regresso de Tobias" (1775) e "As Sete Últimas Palavras de Cristo" (1796).

Este género de inspiração religiosa assemelha-se à opera uma vez que utiliza solistas, coros, orquestra, mas difere desta porque não é interpretada com cenários mas sob a forma de um concerto. Esta "bidimensionalidade" um pouco estática do oratório, juntamente com a sua, habitualmente longa, extensão foram responsáveis pela ausência do género na minha estante de CDs até eu descobrir as "Paixões" de Bach e o "Stabat Mater" de Pergolesi, obras em que a música ecoa no mais profundo sentir da relação do homem com o divino e cuja enorme espiritualidade impressiona, mesmo o ouvinte não crente.

Estes foram os meus primeiros oratórios, logo seguidos dos exuberantes e cativantes de Mendelsonn e, claro os de Haydn. Estes últimos destinados a atingir mais directamente o público, abandonado o tom de recolhimento e de meditação dos antecessores.

Haydn começou a trabalhar na Criação em 1796 e terminou em Abril de 1798. É pois um Haydn no final da vida que retoma a composição de grandes obras; para além de "A Criação", comporá também "As Estações"(1801).

A obra foi estreada num concerto privado no dia 29 de abril de 1798 no salão do Palácio de Schwarzenberg em Viena, foi executada cerca de quarenta vezes nesta cidade durante a vida de Haydn e também em vários países da Europa dos quais se destaca a Inglaterra no Covent Garden em Londres em 1799 numa versão em Inglês.


"A Criação" (Die Schopfung) descreve a criação do mundo e seu libreto foi baseado em três fontes: o Gênesis, o Livro dos Salmos e no épico Paraíso Perdido de John Milton (1608-1674). Três solistas representam os anjos: Gabriel (soprano), Uriel (tenor) e Rafael (baixo), que narram e comentam os seis dias da criação.
Está dividida em três partes e, como era tradição nos oratórios, números musicais amplos (árias e coros) são geralmente precedidos de breve recitativo (passagem em que uma personagem faz um relato, comenta uma acção ou estabelece diálogo com outro protagonista fazendo avançar a acção)

A primeira parte descreve a criação da luz primordial, da Terra, dos corpos celestes, dos corpos aquáticos, da atmosfera e o nascimento das plantas, concluindo-se no final do quarto dia da criação.







A segunda parte comemora o 5º e 6º dias em que Deus cria as criaturas do mar, pássaros, animais, e por último, o homem.








Na terceira parte o cenário é o Jardim de Éden, onde Adão e Eva passeiam felizes antes do pecado original.


Os episódios de música instrumental correspondem ao que de melhor se fez em música programática: o aparecimento do sol, a criação dos vários animais, e acima de tudo na abertura, a famosa descrição do Caos antes da criação com a utilização de uma harmonia tão audaciosa que alguns especialistas a apontam como percursora das revoluções musicais do século XIX.

A obra conclui com uma fuga dupla baseada no texto "Des Herren Ruhm, er bleibt in Ewigkeit" (A obra do senhor durará para sempre), com passagens para os solistas e uma secção final homofônica e grandiosa.
As partes do coro são de um estilo grandioso e monumental, muitas celebrando o fim de um dia particular da criação.

Haydn procurou imprimir um som bem mais grandioso que o padrão da época, tendo inclusive, logo após a estréia, adicionado novos instrumentos. Quando "A Criação" foi apresentada ao público, os músicos chegavam a 120 e o coro tinha 60 vozes!!!!

Para ilustrar escolhi como exemplo a longa secção que encerra o final do 6º dia (final da segunda parte da oratória) "Vollendet ist das große Werk" (Terminada está a gloriosa obra,).
Inicialmente parece um coro final de acção de graças para glorificar a obra de Deus no entanto, em vez de concluir, dá início a um Adagio para os sopros introduzindo um dueto sereno entre Gabriel e Uriel expressando a humildade perante o Criador. Subitamente, as cordas graves entram em uníssono "escurecendo" a harmonia e Rafael evoca momento sombrio em que Deus vira a Sua Face (notar como a orquestra evoca subtilmente o tremor perante a ausência de Deus). O trio que se segue entre os três arcanjos cita "A flauta Mágica" de Mozart entretanto já falecido (uma comovente homenagem do seu amigo e admirador) retoma o ambiente de serenidade e de esperança. Finalmente a esperada conclusão do coro num contraponto maravilhoso !!!



CORO
Vollendet ist das große Werk, (Terminada está a gloriosa obra)
Der Schöpfer sieht's und freuet sich. (O criador a contempla e se alegra)
Auch unsre Freund' erschalle laut, (Ressoe a nossa alegria em viva voz)
Des Herren Lob sei unser Lied! (Que o nosso canto louve o Senhor)

GABRIEL, URIEL
Zu dir, o Herr, blickt alles auf. (Tudo Te contempla Senhor)
Um Speise fleht dich alles an. (Tudo Te implora alimento)
Du öffnest deine Hand, (Se abres a Tua Mão)
Gesättigt werden sie. (Tudo se satisfaz)

RAFAEL
Du wendest ab dein Angesicht, (Mas se afastas a Tua vista)
Da bebet alles und erstarrt. (Tudo então treme e estremece)
Du nimmst den Odem weg, (Se reténs o Teu hálito)
In Staub zerfallen sie. (Tudo cai transformado em pó)

GABRIEL, URIEL, RAFAEL
Den Odem hauchst du wieder aus, (E se de novo os animais)
Und neues Leben sproßt hervor. (Retornam à vida novamente)
Verjüngt ist die Gestalt der Erd' (Rejuvenesce a terra inteira)
An Reiz und Kraft. (E reencontra a sua força e a sua atracção)

CORO
Vollendet ist das große Werk, (Concluída está a gloriosa obra)
Des Herren Lob sei unser Lied! (Seja o nosso cântico um louvor a Deus)
Alles lobe seinen Namen, (Que tudo o que existe louve o Seu Nome)
Denn er allein ist hoch erhaben! (Pois só Ele é Grande!)
Alleluja! Alleluja!


Deixo aqui a sugestão do site de onde fiz o link e que contêm outros exemplos de outras obras de música inteiramente legal da Collegium Musicum Salzburg :


http://www.collegium-musicum.at/?lang=&m=hoerproben.


Aqui está um exemplo de como os próprios artistas podem promover o seu trabalho...

sábado, 1 de dezembro de 2007

Bernstein

Perante esta maravilha !!! só me resta remeter ao silêncio...

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

A propósito de Leonard Bernstein

Num dos seus comentários a um dos meus últimos posts, o meu caro amigo Fernando, autor do belíssimo blog "Diz que não gosta de música clássica" evocou muito justamente Leonard Bernstein, esse extraordinário maestro, director de orquestra e compositor, mas também comunicador e divulgador de música.
Na sequência do seu comentário lembrou essa série de programas "Concertos para jovens" sobre a qual me faltam adjectivos para qualificar. Fiquei marcado por esse programa, assim como programas de outros divulgadores de mérito como António Vitorino de Almeida, para além de outros maestros que tive a felicidade de ver actuar ao vivo e que fizeram mais pela cultura musical do nosso país do que os últimos 20 anos de televisão pública !!!
Voltarei sempre a Bernstein, porque vale sempre a pena explorar uma ou outra faceta do seu génio.
Por essa razão lembrei-me de recomendar a leitura de um livro que comprei ao acaso numa qualquer FNAC e cuja leitura me apaixonou desde a primeira página. Desde então esse livro tem passado de mão em mão pelos meus amigos mas do qual tenho guardado com zelo registos escrupulosamente detalhados do seu paradeiro e, graças ao meu cuidado, tem regressado sempre para as minhas mãos.
Falo naturalmente do "The joy of music" do qual existe a tradução portuguesa da editora "Livros do Brasil".

Este livro atravessa vários séculos de história da música, desde Bach a música do séc. XX, percorrendo vários géneros como a ópera, música sacra e sinfónica. Dedica também um capítulo ao Jazz, ao "musical" Norte-Americano e à técnica de direcção de orquestra. Tudo isto com uma simplicidade desarmante estimulando no leitor um desejo irreprimível de ouvir e conhecer mais desse maravilhoso mundo da música.

No seguinte excerto, Bernstein disserta sobre o seu próprio processo de divulgação da música a leigos:

"É por estar tão certo do que afirmo que me tornei ousado, ao ponto de falar sobre música na televisão, em discos e em conferências públicas. Sempre que tenho a sensação de que o fiz com êxito, penso que isto acontece porque, possivelmente, encontrei esse processo ideal. E é difícil chegar a esta conclusão se não tivermos a convicção de que o público não é um monstro, mas sim um organismo inteligente, na maioria das vezes ansioso por ser esclarecido e instruído. Assim, sempre que me é possível, tento falar de música - das notas da música; e, sempre que são necessárias ideias extramusicais, com a finalidade de referência ou esclarecimento, tento escolher conceitos que sejam musicalmente aplicáveis como, por exemplo, tendências nacionalistas ou de evolução espiritual, que possam mesmo ter feito parte do pensamento do próprio compositor. Assim, ao explicar o Jazz, tenho evitado as habituais divagações pseudo-históricas (rio-acima-desde-Nova-Orleães) e procurado concentrar-me naqueles aspectos de melodia, harmonia, ritmo, etc, que tornam o Jazz diferente de toda a outra música. Ao falar de Bach, senti a necessidade de me referir às suas convicções religiosas e espirituais mas, sempre, em função das notas musicais que escreveu. Ao tentar explicar o problema da escolha que todo o compositor tem que enfrentar, recorri aos esboços rejeitados do primeiro andamento da Quinta Sinfonia de Beethoven. Por outras palavras, a apreciação musical não é necessariamente um "negócio". Este tipo de referências extramusicais pode ser útil, quando posta ao serviço da explicação da própria música, e o sistema do "mapa de estradas" pode ser igualmente aceitável, se funcionar em relação a uma ideia central susceptível de captar a inteligência do ouvinte. é aí que se encontra o processo ideal, o qual, humildemente, espero ter conseguido alcançar nas páginas que se seguem."

Leonard Bernstein; "O Mundo da Música - Os seus segredos e a sua beleza"; vol 32 da colecção Vida e Cultura de editora Livros do Brasil.

domingo, 25 de novembro de 2007

Jogos musicais (II) "Eine kleine Nachtmusik"

Vou tentar partilhar aqui uma audição "orientada". É como se estivessemos numa viagem e precisassemos de um mapa. O roteiro que vos apresento é esse mapa e a viagem, bem... é o primeiro andamento desta pequena e enigmática peça de Mozart. Escolhi esta por ser fácil de seguir. É que Mozart é daqueles compositores que raramente se desvia do esquema traçado...

Eine kleine Nachtmusik (1º Andamento- Allegro)


Aqui vai o roteiro:

Exposição: O compositor enuncia a sua "matéria musical". As principais ideias são chamadas temas. Compreende dois temas de carácter contrastante.
- Tema A (0:28/0:56): Vigoroso e bem ritmado. Tonalidade de Sol maior (Tónica)
- Ponte (0:57/1:12): Prepara a mudança do carácter da música e também de tonalidade (Sol para Ré maior).
- Tema B (1:13/1:50): Mais melodioso e menos incisivo que o primeiro. Tonalidade de Ré maior (dominante)
- Codetta (1:50/1:57): para concluir a exposição

Repetição da exposição (1:58/3:27): Mozart dá-nos uma segunda oportunidade para "fixarmos" os temas na memória, repetindo integralmente a exposição.

Desenvolvimento (3:28/4:00): O compositor aproveita diversos aspectos dos temas expostos anteriormente e explora-os em vários ângulos (tonalidades diferentes, combinações, oposições...) o resultado é, um forte sentimento de tensão, de conflito que conduz a um clímax quando a música retoma o seu ambiente familiar (a tónica) iniciando a reexposição.

Reexposição:
- Tema A (4:00/4:28): Igual à exposição
- Ponte (4:28/4:40): Igual
- Tema B (4:41/5:18): Aqui difere da exposição uma vez que o tema aparece na tónica (Sol maior)
- Coda (5:18/5:40): Codetta anterior aumentada para concluir o andamento.


Conseguiu chegar ao fim sem se perder? Óptimo. Senão tente de novo... (Lembre-se que isto é um jogo e divirta-se).


Resumo da "Forma Sonata":




Para terminar, aqui fica mais uma sugestão:

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Jogos musicais...


A sinfonia sempre foi um género que me atraiu. Para além de ser, na maior parte dos casos música pura, tinha sempre a sensação de que estava a assistir a uma sequência de eventos que nem sempre era capaz de acompanhar. E então, a certa altura, dei por mim a sentir a necessidade de associar motivos extra-musicais para evitar começar a divagar, o mesmo é dizer, deixar de prestar atenção e de ouvir. Assim, ficava-me por uma série limitada de sinfonias mais teatrais (com efeitos orquestrais atraentes e mais ou menos espectaculares) mas muitas ficavam na prateleira por não conseguir compreender ...

Ao fazer certas leituras, compreendi o conceito de forma na obra musical, mas a sua aplicação prática não foi fácil. Comecei então a procurar livros que contivessem exemplos musicais para que pudesse compreender melhor aquilo que se estava a passar. Com o tempo fui conseguindo aplicar esses exemplos em obras conhecidas e outras que ia ouvindo pela primeira vez.

A certa altura comecei a jogar comigo próprio um jogo: ao mesmo tempo que ouvia tentava seguir os elementos constituintes da forma da obra. O meu prazer na audição aumentou consideravelmente.


Então fui a prateleira onde tinha aquelas sinfonias que não tinha ouvido mais do que uma vez por não as conseguir compreender e comecei a jogar...

De repente os esquemas surgiram claros na minha mente e os elementos sonoros apareciam perfeitamente ordenados naquela sequência lógica de eventos. Pude então aperceber-me do trabalho de artífice do compositor que consistia em ordenar os temas musicais gerados pelos seu talento. A inspiração permite a criação de melodias, mas é a construção racional do discurso musical que faz a grande obra, a grande música !!!

Em certas épocas da história da música, a forma adquire uma grande estabilidade, fazendo o processo composicional parecer uma mera aplicação de um receituário.


Mesmo assim, mantendo-se fiel a este esquema rígido, alguns conseguem criar, quase miraculosamente, obras primas com a frescura de quem brinca...





Existem outros momentos em que o compositor veste o fato de experimentador e, como um pintor ou um inventor, procura novas formas, novos moldes para verter o talento, apurando sucessivamente até chegar a uma forma que incorpore o seu ideal.



Outros ainda, infringem rudes golpes de martelo nas velhas formas, torcendo-as ou ampliando-as a dimensões que as levam quase á ruptura.






Depois de tantas transformações e deformações, parecendo que nada mais havia a explorar, alguns ainda têm a coragem de voltar a pegar no género e procurar construir algo de novo.



E quando tudo parecia acabado, eis que o processo de renovação continua...


Tudo isto está vedado ao ouvinte que, de pouco avisado, não está consciente da noção da forma e como tal não pode discernir nem julgar de forma crítica aquilo que ouve.

Para mim muito do prazer musical é obtido da razão e do intelecto !

Proponho um excelente site para quem queira iniciar-se no domínio da sinfonia e da forma musical: http://library.thinkquest.org/22673/index.html

domingo, 18 de novembro de 2007

J. S. Bach, Fuga nº 22 (BWV 891)

Não é fácil, mas não resisto em mostrar aqui o meu lado sinestésico. É que ao escutar esta fuga do "Cravo bem temperado" de Bach...



...não consigo deixar de imaginar as afinidades para com esta pintura de Bruce Gray ou outras estilisticamente similares.


(www.brucegray.com/.../html_subpages/snap2.html)

Para além da maior ou menor abstração (entenda-se: sem relação com nenhum objecto real, sentimento ou ideia concreta que lhe possa ser associada), existe acima de tudo como uma construção ordenada de um conjunto limitado de motivos que se repetem, aglomeram, dialogam e contrastam talvez até excessivamente. Estamos no Barroco tardio já se vê, com Bach fiel ao seu tempo, embora os seus contemporâneos já se comecem a "fartar" desta linguagem polifónica demasiado exuberante tendendo para uma redução de linhas melódicas quase incontroláveis e culminando numa melodia submetida a uma progressão harmónica por blocos.

Como consequência temos um "Kantor" fora de moda, para reaparecer para o grande público séculos mais tarde. Visto a esta distância, como esta música nos soa estranha, tudo parece vivo!!!. Temos a percepção de que tudo o que se passa naquele teclado está milimetricamente previsto e no entanto, a sensação de caos é eminente, por momentos roçamos a fronteira do inaudível, tudo parece tender para o desastre, e logo as consonâncias regressam... Como no quadro de Gray em que os elementos pictóricos se conjugam sob uma aparência simultaneamente caótica e ordenada. No fim da audição... sim porque é necessário ouvir com atenção, concentrados e sem preconceitos. Fica-nos uma sensação de plenitude indescritivel. E pensar que esta fuga é apenas uma de um total de 48 a somar a outros tantos prelúdios que constituem o esse monumento que é o "Cravo Bem Temperado" !!!.

É claro que a interpretação de Gould (1932-1982) ajuda, o seu piano não soa a cravo... nem a piano... ainda bem que consegue uma clareza de interpretação que permite seguir as diferentes linhas melódicas. Não aprecio a sua leitura de Mozart mas para mim, o seu Bach é insuperável...






quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Lady Day - O canto e a dor de viver

Eleonora Fagan (Baltimore, 1915- Nova Iorque, 1959) ficou conhecida por Billie Holiday.

Hoje temos as gravações que atestam a grandeza da sua voz. Mas para mim é a sua enorme gama de recursos postos ao serviço da expressão vocal que a fazem única. Desde sempre fui sensível às nuances que conseguia pôr na sua voz e à cor que transmitia a cada verso das canções. Ao ouvi-la conseguia sentir a essência de cada palavra no seu sentido mais puro. E isto mesmo antes de conhecer os detalhes da sua trágica vida. É que, mesmo nas músicas mais alegres, há uma tristeza, uma melancolia se insinua e que nos atinge. Claro que nos temas trágicos é insuperável...

Nasceu humilde e cedo conheceu a dureza da vida ao ser violentada aos dez anos. Do reformatório e da prostituição o acaso tornou-a cantora contratada aos quinze anos no Jerry Preston´s de Harlem. Colaborou inicialmente com o pianista T. Wilson (1935) com quem gravou os primeiros discos; depois com C. Basie e a sua orquestra, L. Armstrong para além de muitos outros grandes músicos de jazz do seu tempo.

Há um momento marcante na sua carreira quando compõe e interpreta o trágico "Strange Fruit" (1944) que escandaliza ao metaforizar os cadáveres de negros pendurados nas árvores da sua terra (os estranhos frutos) e que leva à proibição da música em alguns países.

A sua existência foi sempre marcada pela violação que sofreu em menina e a dependência do álcool e das drogas levou-a à prisão e mais tarde à morte.

"A voz dolorosamente trémula torna-se mais àspera, o seu canto sensível sempre mais amargo e artificioso"

Uma pesquisa rápida no Youtube permite encontrar algumas das suas interpretações.
Este post é para ser saboreado devagar. Aconselho sentar-se confortavelmente e escolher uma interpretação para ouvir. Saboreie cada nota, aprecie as inflexões na voz, o contracanto do acompanhamento, os ambientes e, se tudo correr bem entrará facilmente no espírito. Não precisa de ouvir tudo de uma vez, volte cá outro dia para continuar...


Claro que posso sugerir algumas para começar, baseio-me apenas no meu gosto especial.

Para além de "Gloomy Sunday" (post anterior) e de "I cover the waterfront" que infelizmente não consegui encontrar, gosto especialmente dos melancólicos:


"Good Morning Heartache" (http://br.youtube.com/watch?v=XQ3PVm6YbmU)
"Solitude" (http://br.youtube.com/watch?v=z4eXV1FYNc4)
"Autumn in New York" (http://br.youtube.com/watch?v=UsODsSfgo2k)
"Moonlight in Vermont" (http://br.youtube.com/watch?v=StNAmz7kpe4)

"I Don't Want To Cry Anymore" (http://br.youtube.com/watch?v=stN7CR_MFUE)

"Lover Man" (http://br.youtube.com/watch?v=rT_h8mQsD1Y)
"My Man" (http://br.youtube.com/watch?v=IQlehVpcAes)

Mas existem temas mais "luminosos" embora, se ouvirem com atenção notarão aquela névoa de tristeza de que já tinha falado:

"What A Little Moonlight Can Do" (http://br.youtube.com/watch?v=3qyxmn0uQxE)"Please Dont Talk About Me" (http://br.youtube.com/watch?v=_PqtQbJR02g)

Existem também exemplos de duetos com grandes nomes do Jazz:

Com Louis Armstrong:

"The Blues Are Brewin" (http://br.youtube.com/watch?v=bWtUzdI5hlE)
"Farewell to Storyville" (http://br.youtube.com/watch?v=gLHCR0OTqhs)

"Do you know what it means" (http://br.youtube.com/watch?v=ROEWiNsb754)

Com Count Basie e a sua orquestra:

"God bless the child, now baby" (http://br.youtube.com/watch?v=7IYTx60s07A)

Um blues "puro e duro":

"Lady sings the blues" (http://br.youtube.com/watch?v=IUtPODn7cCc)

Standards de Gershwin da "Porgy and Bess":

"Summertime" (http://br.youtube.com/watch?v=h5ddqniqxFM)
"I Love You Porgy" (http://br.youtube.com/watch?v=PRVpE4Sz6qU)

O trágico tema já referido na biografia:

Strange fruit" (http://br.youtube.com/watch?v=h4ZyuULy9zs)



E ainda os "não classificados":

"One for my Baby (and one more for the road)" (http://br.youtube.com/watch?v=R7llu2aQRSQ)
"Aint nobody business" (http://br.youtube.com/watch?v=KBtN8h85F-I)

Existe ainda muito, muito mais... O próximo passo é descobrir outros temas, de certeza que boas surpresas surgirão. Para mim nunca deixará de ser uma das minhas cantoras favoritas....

domingo, 11 de novembro de 2007

Gloomy Sunday

Gloomy Sunday (Domingo Sombrio) foi escrito em 1933 pelo pianista e compositor húngaro Rezsõ Seress e tristemente associado a uma lenda urbana com origem na própria vida do compositor e que contribuiu para a sua notoriedade. Dizia-se que a canção encerrava uma mensagem subliminar que levava os amantes que a ouviam ao suicídio. O mito teve a sua origem no suicídio de Seress, ao que parece devido a um desgosto amoroso e depois sustentado por uma onda de suicídios por onde quer que esta música passasse (Se fizerem uma pesquisa na internet, verificam que o mito ainda persiste nos dias de hoje). Esta “Hungarian suicide song” como era chamada quando chegou aos EUA em 1936 (em plena ressaca da grande depressão de 1929) foi um dos primeiros casos de exploração publicitária de um mito urbano tornando-se num enorme sucesso.
Ao ouvir o original de Seress nota-se, desde logo um ambiente de tristeza que atravessa toda a música mas é a letra que lhe confere o espírito de desespero e ausência de esperança:

Tradução para inglês da letra original de Seress:

It is autumn and the leaves are falling
All love has died on earth
The wind is weeping with sorrowful tears
My heart will never hope for a new spring again
My tears and my sorrows are all in vain
People are heartless, greedy and wicked...

Love has died!

The world has come to its end, hope has ceased to have a meaning
Cities are being wiped out, shrapnel is making music
Meadows are coloured red with human blood
There are dead people on the streets everywhere
I will say another quiet prayer:
People are sinners, Lord, they make mistakes...

The world has ended!


Cedo se tentou retirar ao tema o tom de desespero excessivo substituindo a letra original por versos menos dramáticos do poeta húngaro Laszlo Javor:


Versão de Javor (Tradução para inglês):

Gloomy Sunday with a hundred white flowers
I was waiting for you my dearest with a prayer
A Sunday morning, chasing after my dreams
The carriage of my sorrow returned to me without you
It is since then that my Sundays have been forever sad
Tears my only drink, the sorrow my bread...

Gloomy Sunday


This last Sunday, my darling please come to me
There'll be a priest, a coffin, a catafalque and a winding-sheet
There'll be flowers for you, flowers and a coffin
Under the blossoming trees it will be my last journey
My eyes will be open, so that I could see you for a last time
Don't be afraid of my eyes, I'm blessing you even in my death...

The last Sunday

(http://br.youtube.com/watch?v=HAzJ_7CeWbc)

Surgiram depois duas versões em inglês dos versos de Javor: uma por Sam Lewis e outra de Desmond Carter. A versão de Carter é mais sombria e menos popular que a de Lewis.

Versão de Carter:

Sadly one Sunday I waited and waited
With flowers in my arms for the dream I'd created
I waited 'til dreams, like my heart, were all broken
The flowers were all dead and the words were unspoken
The grief that I knew was beyond all consoling
The beat of my heart was a bell that was tolling

Saddest of Sundays

Then came a Sunday when you came to find me
They bore me to church and I left you behind me
My eyes could not see one I wanted to love me
The earth and the flowers are forever above me
The bell tolled for me and the wind whispered, "Never!"
But you I have loved and I bless you forever

Last of all Sundays

Versão de Lewis:

Sunday is gloomy, my hours are slumberless
Dearest the shadows I live with are numberless
Little white flowers will never awaken you
Not where the black coach of sorrow has taken you
Angels have no thought of ever returning you
Would they be angry if I thought of joining you?

Gloomy Sunday

Gloomy is Sunday, with shadows I spend it all
My heart and I have decided to end it all
Soon there'll be candles and prayers that are sad I know
Let them not weep let them know that I'm glad to go
Death is no dream for in death I'm caressing you
With the last breath of my soul I'll be blessing you

Gloomy Sunday



Dos vários intérpretes, foi Billie Holiday quem mais contribuiu para popularizar o tema. A interpretação de Billie Holiday utilizou a versão de Lewis e ao tema original foi adicionada uma 3ª estrofe com o objectivo de reduzir o tom pessimista da canção transmitindo a ideia de que toda a tragédia não passara de um sonho. De notar durante a audição que ao chegar à terceira estrofe a música fica mais luminosa devido à mudança para a tonalidade maior (http://br.youtube.com/watch?v=48cTUnUtzx4).


A terceira estrofe:


Dreaming, I was only dreaming
I wake and I find you asleep in the deep of my heart, here
Darling, I hope that my dream never haunted you
My heart is telling you how much I wanted you

Gloomy Sunday


Desde a sua origem, “Gloomy Sunday” foi interpretado nas suas diversas versões por vários intérpretes. A lista que se segue não é exaustiva:


Lista de intérpretes:

Hal Kemp & his Orchestra
Paul Whiteman & his Orchestra
Artie Shaw & his Orchestra
Billie Holiday
Lydia Lunch
Elvis Costello & the Attractions (http://br.youtube.com/watch?v=Y4YHoijyRH0)
The Associates
Marianne Faithfull
Carol Kidd
Sinéad O'Connor
Gitane Demone
Sarah McLachlan(http://br.youtube.com/watch?v=YbngZiXYOy4)
Björk
Heather Nova(http://br.youtube.com/watch?v=N2fGWQKbX68)
Sarah Brightman (http://br.youtube.com/watch?v=4hRRIsMNlEY)


Pessoalmente a que mais aprecio é a de Billie Holiday, mas também gosto bastante da versão de Sarah McLachalan. A existência de tantas leituras do mesmo tema só demonstra a sua qualidade. Certamente que dispensaria a história triste que lhe está associada…


quinta-feira, 8 de novembro de 2007

BILLIE HOLIDAY (1915-1959)

"Gloomy Sunday"

It is autumn and the leaves are falling
All love has died on earth
The wind is weeping with sorrowful tears
My heart will never hope for a new spring again
My tears and my sorrows are all in vain
People are heartless, greedy and wicked...

Love has died!

The world has come to its end, hope has ceased to have a meaning
Cities are being wiped out, shrapnel is making music
Meadows are coloured red with human blood
There are dead people on the streets everywhere
I will say another quiet prayer:
People are sinners, Lord, they make mistakes...

The world has ended!

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Gosto daquilo que conheço...



É quase tão verdadeiro como "conheço aquilo de que gosto".

Existe um enorme obstáculo à apreciação de uma obra musical mais complexa: Não prestar atenção ao que se ouve.

No mundo de hoje, quase tudo passa por nós a grande velocidade e somos tentados a percepcionar as coisas de forma mais ou menos superficial. Falo naturalmente dos estímulos que atingem os nossos sentidos e que sofrem uma "filtração" natural, na maioria das vezes inconsciente. É um mecanismo de defesa do organismo que, incapaz de poder abarcar tanta informação, selecciona aquilo que a cada momento julga importante.

No caso da música este fenómeno provoca uma rejeição de sistemas musicais mais complexos e exigentes em oposição a sistemas mais simples e familiares.

Creio ser esta a razão pela qual a música "comercial" (não há aqui nenhum sentido pejorativo mas apenas no sentido de mais ouvida e vendida) se caracteriza normalmente por estruturas simples, com melodias facilmente reconhecíveis e memorizáveis, ritmos e harmonias seguindo esquemas pré formulados. Desta forma reduz-se o esforço do ouvinte ao mínimo podendo até apreciar-se esta música em simultâneo com outra actividade (neste caso como música de fundo) sem perda de eficácia.

Quando passamos para uma música cujos elementos seguem uma lógica formal não familiar ao ouvinte de hoje, naturalmente que o esforço exigido para retirar prazer da sua audição é muito maior.

É curioso notar que muita da música composta em séculos anteriores e que actualmente é considerada "erudita" poderia classificar-se, na altura em que foi composta como música "comercial", uma vez que se estruturou de forma a tornar-se facilmente reconhecível pelo ouvinte de então. Mozart, por exemplo tem obras do chamado "estilo galante" muito apreciado na altura como música como música de fundo em festas da alta sociedade vienense.


Com o passar dos séculos, esses esquemas foram sendo substituidos por outros tornando a música mais difícil de reconhecer e de apreciar pelo ouvinte actual.

Todos nós conhecemos exemplos de obras musicais antigas que por audição repetida se tornam populares (muitos temas utilizados em publicidade, música de fundo em elevadores ou em telefones em espera), para não falar de arranjos "modernos" de temas antigos que se tornam "top de vendas" (neste caso, muitos dos ouvintes nem chegam a saber que estão a ouvir temas com duzentos anos de idade!).

Em conclusão, pode dizer-se que para passar a gostar daquilo que não se conhece, tem que conhecer-se primeiro e a única forma de o fazer é ouvir com atenção sem deixar a mente divagar. Isto não é fácil e exige alguma prática mas após atingido algum domínio, o prazer de ouvir começa a aumentar com o reconhecimento das diversas estruturas que constituem a obra musical.

É caso para dizer como a menina da foto "Shiuu, estou a ouvir !"

sábado, 3 de novembro de 2007

Ainda os direitos de autor...

Continuo a minha pesquisa sobre a legalidade da utilização de material do YouTube.

"A Viacom entrou com processo contra o YouTube e pede 1 bilião de dolares ao Google, dono do site de vídeos. O Google afirma que está confiante de que respeita os direitos legais dos detentores de copyright e não deixará que um processo de 1 bilião de dólares da Viacom impeça a companhia e seu site YouTube de distribuir vídeos, disse o líder de buscas na internet na terça-feira. O porta-voz da empresa Ricardo Reyes afirmou em um comunicado via e-mail que "não recebeu o processo, mas está confiante de que o YouTube respeita os direitos legais dos detentores de copyright e acredita que os tribunais vão concordar com isso". "Certamente nós não vamos deixar que este processo se torne um problema para o crescimento contínuo e a forte performance do YouTube", afirmou no comunicado. A Viacom é um conjunto de empresas ligadas á comunicação social que reúne, entre outros serviços, o conteúdo da MTV e Paramount Pictures."

http://www.webtuga.com


"Depois das batalhas judicias e das denúncias de violações copyright, o YouTube vai ter ao seu dispor um filtro capaz de identificar se o vídeo é protegido, ou não. Caso seja, o utilizador será impedido de fazer o upload, ou o mesmo poderá ser posteriormente retirado, após reconhecimento. O processo de identificação é simples e demorará apenas alguns minutos, adianta Philip Beck, advogado do Google.
Este anúncio à muito que era aguardado, no entanto nunca foi referida nenhuma data em concreto, a descoberta desta tecnologia com certeza que será um alivio para os bolsos do Google, que desta forma não terá de reembolsar os principais lesados da publicação ilegal de vídeos não autorizados.
Resta saber até que ponto o YouTube vai perder, com a ausência deste material, que apesar de ser ilícito era muito procurado pelos cibernautas. Outra dúvida que fica no ar, diz respeito à eficácia desta tecnologia, será mesmo capaz de travar o material ilegal?"

www.pplware.com/2007/07/31


Existe algum cepticismo acerca desta medida mas teremos que aguardar mais um pouco.
De qualquer forma muitos blogs utilizam actualmente o material do YouTube.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Os direitos de autor e a música deste blog.

Confesso que ainda não sei muito bem como irei organizar um blog sobre a música que ouço e que me toca sem a disponibilizar aos leitores do blog. Embora muitas destas obras tenham os seus direitos de autor ultrapassados (e portanto acesso e divulgação livre), os direitos das gravações pertencem, como é natural, aos intérpretes. Muitos dos conteúdos que estão disponíveis em alguns sites como o YouTube apresentam-se em condições cuja legalidade sou incapaz de avaliar.
O ideal seria apresentar aqui um exemplo sonoro daquilo que escrevo em cada texto e não apenas uma sugestão de uma qualquer gravação que, apesar de poder ser possível encontrar facilmente em qualquer loja de CDs, poderá não ser suficientemente estimulante para incentivar alguém a deslocar-se propositadamente a comprar e a ouvir a obra em questão.
A última coisa que desejo é prejudicar aqueles que interpretam as obras, graças ao investimento que fizeram durante anos e que deverá ser devidamente recompensado.

Até resolver este problema jurídico-legal, terei que fazer um blog "mudo" para muita pena minha.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A criação...

A minha sugestão musical de hoje vai para a MARAVILHOSA "Criação" de F.J. Haydn. Esta oratória narra algumas passagens do livro bíblico do Génesis. Mas se o texto é abençoado (embora tenha sido em parte baseado no "Paraíso Perdido" de Milton) a música é BRILHANTE (Haydn conseguiu o milagre de fazer uma música ao mesmo tempo celestial e humana, embora os entendidos insistam nesta última característica).
Pena que apenas uma pequena parte de nós irá ter o prazer de a ouvir. Apesar desta ser uma obra que seduz o ouvido inexperiente desde o primeiro acorde, eu diria que a sua longa extensão, o enorme ruído que nos rodeia e também algum preconceito contribuem para o seu quase anonimato. Já o facto do texto original ser em alemão não pode constituir desculpa uma vez que o autor da oratória teve o cuidado de fazer uma versão em inglês tornando-se numa das primeiras obras em versão bilingue !

Bem... Terei tempo para falar deste assunto, pelo menos assim espero.
(Nota: A imagem refere-se ao frontispício da partitura da "Criação", edição de Paris 1801)