domingo, 18 de novembro de 2007

J. S. Bach, Fuga nº 22 (BWV 891)

Não é fácil, mas não resisto em mostrar aqui o meu lado sinestésico. É que ao escutar esta fuga do "Cravo bem temperado" de Bach...



...não consigo deixar de imaginar as afinidades para com esta pintura de Bruce Gray ou outras estilisticamente similares.


(www.brucegray.com/.../html_subpages/snap2.html)

Para além da maior ou menor abstração (entenda-se: sem relação com nenhum objecto real, sentimento ou ideia concreta que lhe possa ser associada), existe acima de tudo como uma construção ordenada de um conjunto limitado de motivos que se repetem, aglomeram, dialogam e contrastam talvez até excessivamente. Estamos no Barroco tardio já se vê, com Bach fiel ao seu tempo, embora os seus contemporâneos já se comecem a "fartar" desta linguagem polifónica demasiado exuberante tendendo para uma redução de linhas melódicas quase incontroláveis e culminando numa melodia submetida a uma progressão harmónica por blocos.

Como consequência temos um "Kantor" fora de moda, para reaparecer para o grande público séculos mais tarde. Visto a esta distância, como esta música nos soa estranha, tudo parece vivo!!!. Temos a percepção de que tudo o que se passa naquele teclado está milimetricamente previsto e no entanto, a sensação de caos é eminente, por momentos roçamos a fronteira do inaudível, tudo parece tender para o desastre, e logo as consonâncias regressam... Como no quadro de Gray em que os elementos pictóricos se conjugam sob uma aparência simultaneamente caótica e ordenada. No fim da audição... sim porque é necessário ouvir com atenção, concentrados e sem preconceitos. Fica-nos uma sensação de plenitude indescritivel. E pensar que esta fuga é apenas uma de um total de 48 a somar a outros tantos prelúdios que constituem o esse monumento que é o "Cravo Bem Temperado" !!!.

É claro que a interpretação de Gould (1932-1982) ajuda, o seu piano não soa a cravo... nem a piano... ainda bem que consegue uma clareza de interpretação que permite seguir as diferentes linhas melódicas. Não aprecio a sua leitura de Mozart mas para mim, o seu Bach é insuperável...






Um comentário:

  1. Muito interessante a comparação dos motivos músicais face aos motivos pictóricos. Nunca tinha pensado nisso. Quanto a Gould há quem não goste (que o ache demasiado mecânico) mas eu estou consigo ... acho fantástica de clareza

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