terça-feira, 6 de novembro de 2007

Gosto daquilo que conheço...



É quase tão verdadeiro como "conheço aquilo de que gosto".

Existe um enorme obstáculo à apreciação de uma obra musical mais complexa: Não prestar atenção ao que se ouve.

No mundo de hoje, quase tudo passa por nós a grande velocidade e somos tentados a percepcionar as coisas de forma mais ou menos superficial. Falo naturalmente dos estímulos que atingem os nossos sentidos e que sofrem uma "filtração" natural, na maioria das vezes inconsciente. É um mecanismo de defesa do organismo que, incapaz de poder abarcar tanta informação, selecciona aquilo que a cada momento julga importante.

No caso da música este fenómeno provoca uma rejeição de sistemas musicais mais complexos e exigentes em oposição a sistemas mais simples e familiares.

Creio ser esta a razão pela qual a música "comercial" (não há aqui nenhum sentido pejorativo mas apenas no sentido de mais ouvida e vendida) se caracteriza normalmente por estruturas simples, com melodias facilmente reconhecíveis e memorizáveis, ritmos e harmonias seguindo esquemas pré formulados. Desta forma reduz-se o esforço do ouvinte ao mínimo podendo até apreciar-se esta música em simultâneo com outra actividade (neste caso como música de fundo) sem perda de eficácia.

Quando passamos para uma música cujos elementos seguem uma lógica formal não familiar ao ouvinte de hoje, naturalmente que o esforço exigido para retirar prazer da sua audição é muito maior.

É curioso notar que muita da música composta em séculos anteriores e que actualmente é considerada "erudita" poderia classificar-se, na altura em que foi composta como música "comercial", uma vez que se estruturou de forma a tornar-se facilmente reconhecível pelo ouvinte de então. Mozart, por exemplo tem obras do chamado "estilo galante" muito apreciado na altura como música como música de fundo em festas da alta sociedade vienense.


Com o passar dos séculos, esses esquemas foram sendo substituidos por outros tornando a música mais difícil de reconhecer e de apreciar pelo ouvinte actual.

Todos nós conhecemos exemplos de obras musicais antigas que por audição repetida se tornam populares (muitos temas utilizados em publicidade, música de fundo em elevadores ou em telefones em espera), para não falar de arranjos "modernos" de temas antigos que se tornam "top de vendas" (neste caso, muitos dos ouvintes nem chegam a saber que estão a ouvir temas com duzentos anos de idade!).

Em conclusão, pode dizer-se que para passar a gostar daquilo que não se conhece, tem que conhecer-se primeiro e a única forma de o fazer é ouvir com atenção sem deixar a mente divagar. Isto não é fácil e exige alguma prática mas após atingido algum domínio, o prazer de ouvir começa a aumentar com o reconhecimento das diversas estruturas que constituem a obra musical.

É caso para dizer como a menina da foto "Shiuu, estou a ouvir !"

Um comentário:

  1. Há um programa do Maestro antónio Vitorino de Almeida ainda do tempo da televisão a preto e branco acho eu em que ele teorizava precisamente sobre este tema.
    Não me recordo do raciocinio completo do maestro mas em resumo o que ele afirmava é que numa sociedade em que os estimulos foram multiplicados por milhares a atenção é muito mais dificil de obter e nesse sentido as formas de arte que necessitam de mais tempo de atenção para poderem ser apreciadas sofrem ... na música é mais fácil "gostar" de uma balada formatada e produzida para "entrar no ouvido" do que ...

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