sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Fusão...


Depois de uma época Natalícia atribulada, regresso, já bem perto do final do ano de 2007, com a esperança de quem vê renovar-se os votos de mais um ano novo.
E é em ambiente de festa que faço aqui uma pausa na Criação de Haydn para partilhar convosco um extraordinário intérprete de música. Poderemos ceder á tentação de classificar a sua música como jazz ou pôr outro rótulo qualquer,isso não importa.
O trio de Jacques Loussier e a sua "mania" de tocar no intocável... Bach. Os puristas escandalizam-se, e talvez Bach sorria, ele próprio um experimentador, um elaborador de sínteses de correntes diversas. Aquela vontade de tocar ao estilo italiano (leve, melodioso e vocal) juntando-o à atmosfera um pouco pesada do contraponto germânico, tal como a irreprimível vontade de experimentar novos instrumentos e sonoridades.
Por isso a sua música é universal e eterna, mesmo quando tocada com novos instrumentos: contrabaixo, bateria, piano ou ainda quando submetida às variações jazzísticas e progressões harmonico-rítmicas actuais.
O que faz este trio de especial ? Bem, na minha opinião não se limita a harmonizar, se quisermos, "vestir" uma melodia pré-existente com um novo arranjo instrumental e harmónico. Este procedimento abunda no mercado discográfico: Vivaldi em "jeito" de música Celta por exemplo (Atenção, nada tenho contra !!).

Mas o que temos aqui é algo diferente: pegando no "sagrado" texto musical do mestre como ponto de partida, é possível criar algo novo... É caso para dizer que neste caso o conjunto vale mais que a soma algébrica das suas partes. E talvez Bach sorria !!!!




Piano: Jacques Loussier;


Contrabaixo: Vincent Charbonnier;


Percursão: André Arpino



O site oficial: http://www.loussier.com/pages/news.cfm?lngupdate=en



quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Repleto de Nobreza e Dignidade

Deixando um pouco de lado o fausto instrumental que ilustra a criação das grandes forças da natureza (voltaremos a esse registo em próximos posts. Até porque temos ainda que regressar ao caos primordial...). Retenho-me agora num momento mais intimista e sereno, mas não menos belo da criação do Homem e da Mulher. Esta música genial é também a elevação da humanidade á imagem de Deus segundo a concepção saída das Luzes e oposta aquela que emana, por exemplo, da música sacra de Bach onde o Homem pecador nada é em face de Deus.
A criação do Homem e da Mulher é narrado em recitativo pelo anjo Uriel que, em seguida, inicia a belíssima ária: "Mit Würd’ und Hoheit angetan" (Repleto de nobreza e dignidade,) que constitui nem mais nem menos que a última música que Haydn ouviu antes de falecer.
No dia 9 de Abril de 1809, a Áustria e a França entram em guerra e as tropas francesas atingem rapidamente as portas de Viena. A casa de Haydn estava próxima da linha exterior do bairro suburbano de Gumpendorf. Este suportou, apesar da avançada idade os bombardeamentos franceses próximos. Mesmo assim, todos os dias, por volta do meio dia sentava-se no seu pianoforte e tocava o seu Lied favorito "Gott erhalte Franz den Kaiser" que é hoje a música o hino da Alemanha. O prestígio de Haydn era tal que vários oficiais franceses faziam uma pausa na guerra para o ir visitar após o que voltavam para o lado inimigo. A última dessas visitas vem relatada numa carta de um dos amigos próximos de Haydn:


"No dia 24 de Maio, às duas da tarde, enquanto Haydn fazia a sesta, um oficial dos hussardos francês foi visitá-lo (...) Haydn recebeu-o, falou com ele de música e em particular da Criação, e mostrou-se tão vivo de espírito que o oficial lhe cantou em italiano a ária [da criação do homem] "Mit Würd’ und Hoheit angetan ". (...) Ao fim duma meia hora, o oficial voltou a montar a cavalo para avançar contra o inimigo, (...) Esperemos que este nobre cavalheiro venha um dia a saber que foi ele que proporcionou a Haydn a sua última alegria musical, porque depois disso ele não ouviu a mais pequena nota."



"É para ele felicidade, amor e delícia"





No. 24. ÁRIA
URIEL

Mit Würd’ und Hoheit angetan, (Repleto de nobreza e dignidade,)
it Schönheit, Stärk’ und Mut begabt, (dotado de beleza, força e coragem,)
Gen Himmel aufgerichtet steht der Mensch, (erguido para o céu, o homem eleva-se)
Ein Mann und König der Natur. (como rei da natureza.)


Die breit gewölbt’ erhabne Stirn (A sua ampla e limpa fronte)


Verkünd’t der Weisheit tiefen Sinn. (revela sua profunda capacidade de entendimento.)


Und aus dem hellen Blicke strahlt (E no seu claro olhar brilha o espírito,)
Der Geist, des Schöpfers Hauch und Ebenbild. (o hálito do Criador e a sua própria imagem.)


An seinen Busen schmieget sich (No seu peito abraçada,)
Für ihn, aus ihm geformt, (dele e para ele criada,)
Die Gattin hold und anmutsvoll. (a esposa, atraente e adorável.)
In froher Unschuld lächelt sie, (Com alegre inocência sorri,)
Des Frühlings reizend Bild, (como encantadora imagem da primavera.)
Ihm Liebe, Glück und Wonne zu. (É para ele amor, felicidade, delícia.)


domingo, 16 de dezembro de 2007

Musica Programática. "Pintar" com música

Quase toda a música de "A Criação" é programática, ou seja, evoca acontecimentos ou paisagens por oposição à chamada "música pura" ou abstracta.

A "ilustração musical" existiu em várias épocas da história da música embora fosse apresentando diferenças, basta lembrar as "Quatro Estações" de Vivaldi ou a "Sinfonia Fantástica" de Berlioz (Teremos oportunidade de falar sobre isso no futuro).

Em relação a Haydn, a influência sinfónica está bem patente na sua música programática, onde predomina a hábil utilização de timbres e efeitos orquestrais (em maior extensão do que no Barroco por exemplo) para além, claro, da harmonia (o conceito de harmonia é talvez difícil de apreender por isso não vou, para já insistir neste ponto)
Hoje proponho um excelente exemplo de música programática tal como Haydn a concebia e que se tornou o paradigma do periodo Clássico até Beethoven abrir as portas do Romantismo.
Nesta passagem (nº 4-7) intervêm Rafael (já apresentado num post anterior), Gabriel e o coro.

O anjo Gabriel é, dos três que intervêm na oratória, talvez o mais conhecido. Aparece na Biblia em vários momentos chave como a anunciação da Virgem, mas também no Corão interpelando o profeta Maomet.
A iconografia de Gabriel representa-o sempre como um ser de sexo ambíguo: as feições delicadas e os cabelos longos e louros tanto podem corresponder a uma mulher como a um rapaz jovem. Não espanta, portanto que Haydn tenha escolhido uma voz de soprano para o interpretar.

Estamos no segundo dia da Criação logo após todo o caos e terror ter caído num profundo abismo.
Rafael descreve em recitativo a separação entre as águas acima e abaixo do céu.
O que se segue é a descrição de diversos fenómenos atmosféricos. A sequência extraordináriamente simples de seguir: a orquestra começa por ilustrar um fenómeno e de seguida o anjo Rafael explica: Apenas é necessário ouvir com atenção... Chamo só a atenção para a descrição musical da neve, faz-me sempre lembrar o poema "batem leve, levemente..."
O segundo dia termina com Gabriel e o coro a louvar a obra de Deus.
Depois das merecidas celebrações voltamos ao recitativo com a voz grave do anjo Rafael para presenciar a criação e baptismo da Terra e do Mar com o adequado acompanhamento musical.
A ária "Rollend in schäumenden Wellen" comove-me sempre. É o culminar perfeito: todos os recursos da orquestra são usados na descrição do mar revolto, aparecimento de rochas e montanhas (notar as escalas ascendentes), o movimento do rio e o murmurar do riacho (um convite à imaginação !)... e a mestria de Haydn não necessita de mais provas.



No. 4 RECITATIVO
RAFAEL

Und Gott machte das Firmament (E Deus fez o firmamento)
und teilte die Wasser, die unter dem Firmament waren, (e separou as águas que se encontravam sob o firmamento)
von den Gewässern, die ober dem Firmament waren (das águas que estavam sobre o firmamento,)
und es ward so. (e assim foi)

[Descrição musical das tempestades]
Da tobten brausend heftige Stürme; (Então desencadearam-se ruidosas e violentas tempestades;)
[descrição musical das nuvens empurradas pelo vento]
wie Spreu vor dem Winde, so flogen die Wolken, (as nuvens se abriram como palha empurrada pelo vento,)
[Descrição musical dos raios]
die Luft durchschnitten feurige Blitze. (raios ofuscantes rasgaram o ar)
[Descrição musical dos trovões]
und schrecklich rollten die Donner umher. (e os trovões ribombaram por toda a parte.)
[Descrição musical da chuva]
Der Flut entstieg auf sein Geheiß der allerquickende Regen,(Por Sua ordem surgiram das nuvens a refrescante chuva,)
[Descrição musical do granizo]
der allverheerende Schauer ( o devastador granizo)
[Descrição musical da neve]
der leichte, flockige Schnee. (e a leve e macia neve.)

No. 5 CORO COM SOPRANO
GABRIEL

Mit Staunen sieht Wunderwerk (Com assombro contempla o prodígio)
Der Himmelsbürger frohe Schar, (a alegre legião de anjos do céu,)
Und laut ertönt aus ihren Kehlen (e em voz alta ressoa nas suas gargantas)
Des Schöpfers Lob, (o louvor do Criador,)
Das Lob des zweiten Tags. (o louvor do segundo dia.)

CORO

Und laut ertönt aus ihren Kehlen (E em voz alta ressoa nas suas gargantas,)
Des Schöpfers Lob, (o louvor do Criador,)
Das Lob des zweiten Tags. (o louvor do segundo dia.)

No. 6 RECITATIVO
RAFAEL

Und Gott sprach: Es sammle sich das Wasser (E Deus disse: Juntem-se as águas)
unter dem Himmel zusammen an einem Platz (num lugar sob o céu )
und es erscheine das trockne Land: und es ward so. (e apareça seco o chão; e assim foi.)
Und Gott nannte das trockne Land "Erde" (e Deus chamou a terra seca de "Terra")
Und die Sammlung der Wasser nannte er "Meer"; (e "mar" o conjunto das águas;)
und Gott sah, daß es gut war. (E Deus viu que isso estava bem.)



"Em espumosas ondas"

No. 7 ÁRIA
RAFAEL

Rollend in schäumenden Wellen (Em espumosas ondas)
Bewegt sich ungestüm das Meer. (O mar se agita impetuosamente.)
Hügel und Felsen erscheinen, (As colinas e as rochas aparecem)
Der Berge Gipfel steigt empor. (e surgem os cumes das montanhas.)
Die Fläche, weit gedehnt, (O largo rio percorre)
Durchläuft der breite Strom (a extensa planície)
In mancher Krümme, (em numerosos meandros.)
Leise rauschend gleitet fort (O claro riacho desliza)
Im stillen Tal der helle Bach (com suaves murmúrios pelo vale tranquilo.)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

"Im Anfange schuf Gott Himmel und Erde" e a criação da luz

Imediatamente antes da ária que comentei no post anterior: "Nun schwanden vor dem heiligen Strahle"; aparece essa maravilhosa sequência que culmina na criação da Luz. Aqui podemos ver um Haydn no domínio pleno da harmonia e dos timbres orquestrais fazendo a ilustração musical perfeita de um acontecimento que poucos pintores conseguiriam captar.
Nesta passagem intervém o arcanjo Rafael que, no "Paraíso Perdido" de Milton (uma das fontes do libretto), é o anjo enviado por Deus para admoestar Adão pela sua desobediência e é também ele que descreve a Adão a criação do novo mundo. Aqui, também vamos poder ouvir um exemplo do que é um recitativo e também o uso da orquestra na ilustração do texto.

Após a famosa introdução (aquela que descreve o caos primordial), Rafael (com a sua voz grave de baixo) começa, em recitativo, a contar a história: "No início, Deus criou o céu e a terra" e logo o coro intervêm descrevendo o espírito de Deus planando á superfície das águas.

Para o milagre da criação da luz, Haydn usa o mais simples mas também mais poderoso dos meios orquestrais: Um silêncio...seguido de um pizzicato...orquestra e coro em pianissimo... e uma explosão do tutti orquestral sobre o acorde de dó maior.

Sobre este momento contam-se várias histórias curiosas. Primeiro, parece que Haydn ensaiou em segredo com a sua orquestra esta explosão, de modo que, no dia da estreia a surpresa foi geral, de tal forma que o público não se conteve e explodiu em aplausos incontroláveis. Desde então e durante muito tempo era costume o público aplaudir logo após esta passagem. Conta-se ainda que o respeitável compositor, de sentido de humor apurado, divertia-se dizendo às pessoas que o pizzicato imediatamente antes do tutti, representava Deus a tentar acender um fósforo !!!

Por fim a voz "brilhante" do tenor Uriel reforça a "iluminação" criando o ambiente para a ária seguinte (que já conhecemos) que está em La maior (uma tonalidade também "luminosa").

Apreciemos então...





RECITATIVO COM CORO

RAFAEL

Im Anfange schuf Gott Himmel und Erde, (No princípio Deus criou o céu e a terra,)
und die Erde war ohne Form und leer, (e a terra era amorfa e estava vazia,)
und Finsternis war auf der Fläche der Tiefe. (e as trevas cobriam a superfície do abismo.)

CORO


Und der Geist Gottes (E o espírito de Deus planava sobre)
Schwebte auf der Fläche der Wasser. (a superfície das águas.)
Und Gott sprach: Es werde Licht! (E Deus disse: Faça-se a luz!)
Und es ward Licht! (E a luz se fez.)

URIEL

Und Gott sah das Licht, daß es gut war, (Deus viu que a luz era boa,)
und Gott schied das Licht von der Finsternis. (e separou-a das trevas.)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

"Nun schwanden vor dem heiligen Strahle"

Para ilustrar o post de hoje preferi não iniciar com a famosa introdução (a representação do caos) de "A Criação", maravilhosa mas talvez mais difícil de apreciar por "ouvidos inexperientes".
Assim optei por uma das minhas passagens favoritas e que, creio ilustrar na perfeição todo o espírito desta obra assim como a mestria do Haydn.
Trata-se da primeira ária do oratório "Nun schwanden vor dem heiligen Strahle" (Então, diante dos raios sagrados se desvaneceram) e que é cantada pelo tenor que interpreta Uriel e a posterior intervenção do coro. Como curiosidade refira-se que o anjo Uriel "o fogo de Deus", está associado a vários aspectos da tradição judaica: é simultaneamente guardião do paraíso e também detentor da chave que abrirá as portas do inferno no final dos tempos sendo apresentado como um executor implacável da justiça de Deus.

Voltando à oratória, estamos no final do primeiro dia, logo após a criação da luz (momento extraordinário a que voltaremos um dia destes) e a ária começa gentilmente descrevendo o desaparecimento das trevas e assinalando o nascimento do primeiro dia em que a ordem impera sobre o caos. No entanto, a elaboração orquestral deste episódio deixa antever que Haydn tinha mais em mente do que este afável lirismo. De facto a fuga dos espíritos infernais para o abismo conduz a música para a tonalidade de dó menor e uma certa agitação na orquestra. A queda dos espíritos arrasta consigo todo o desespero, fúria e terror que é cantado por um coro sobressaltado. A ária não termina sem o regresso á calma com triunfo da palavra de Deus.
Esta "simetria por contraste" (lirismo/agitação/lirismo) é uma das características típicas do Classicismo.


URIEL

Nun schwanden vor dem heiligen Strahle (Então, diante dos raios sagrados se desvaneceram)
Des schwarzen Dunkels gräuliche Schatten: (As sombras e as horríveis trevas:)
Der erste Tag entstand.(Nasceu o primeiro dia)
Verwirrung weicht, und Ordnung keimt empor.(A confusão cede e a ordem impõe-se)

Erstarrt entflieht der Höllengeister Schar (Horrorizada, a multidão de espíritos infernais foge)
In des Abgrunds Tiefen hinab (Para as profundezas do abismo)
Zur ewigen Nacht. (Para a noite eterna)

CORO

Verzweiflung, Wut und Schrecken (Desespero, fúria e terror)
Begleiten ihren Sturz, (Acompanham a sua queda)
Und eine neue Welt (E um novo mundo)
Entspringt auf Gottes Wort. (Surge criado pela palavra de Deus)



Pieter Brueghel "A queda dos Anjos"

Uma nota final apenas para dizer que a interpretação continua a ser da Collegium Musicum Salzburg (como no post anterior). Não é das minhas favoritas: um tempo mais rápido permite ao coro transmitir melhor a agitação que acompanha a queda dos demónios no abismo. De qualquer forma, esta versão cumpre a sua função...

domingo, 9 de dezembro de 2007

Die Schopfung

Prometi há tempos voltar a escrever sobre "Die Schopfung" (A criação) do compositor Franz Joseph Haydn. Aliás, devido à quantidade de tesouros que encerra, terei que voltar ao tema algumas vezes. Sempre que me ponho a ouvir esta obra, espanta-me o facto de ser tão pouco ouvida e executada entre nós e avancei já (num post anterior) algumas prováveis razões para justificar esse facto.
"A Criação" pertence ao género do oratório que tinha atingido o seu apogeu durante o Barroco e que se encontrava em declínio em finais do século XVIII, embora Haydn já tivesse composto o "Stabat Mater" (1767), "O Regresso de Tobias" (1775) e "As Sete Últimas Palavras de Cristo" (1796).

Este género de inspiração religiosa assemelha-se à opera uma vez que utiliza solistas, coros, orquestra, mas difere desta porque não é interpretada com cenários mas sob a forma de um concerto. Esta "bidimensionalidade" um pouco estática do oratório, juntamente com a sua, habitualmente longa, extensão foram responsáveis pela ausência do género na minha estante de CDs até eu descobrir as "Paixões" de Bach e o "Stabat Mater" de Pergolesi, obras em que a música ecoa no mais profundo sentir da relação do homem com o divino e cuja enorme espiritualidade impressiona, mesmo o ouvinte não crente.

Estes foram os meus primeiros oratórios, logo seguidos dos exuberantes e cativantes de Mendelsonn e, claro os de Haydn. Estes últimos destinados a atingir mais directamente o público, abandonado o tom de recolhimento e de meditação dos antecessores.

Haydn começou a trabalhar na Criação em 1796 e terminou em Abril de 1798. É pois um Haydn no final da vida que retoma a composição de grandes obras; para além de "A Criação", comporá também "As Estações"(1801).

A obra foi estreada num concerto privado no dia 29 de abril de 1798 no salão do Palácio de Schwarzenberg em Viena, foi executada cerca de quarenta vezes nesta cidade durante a vida de Haydn e também em vários países da Europa dos quais se destaca a Inglaterra no Covent Garden em Londres em 1799 numa versão em Inglês.


"A Criação" (Die Schopfung) descreve a criação do mundo e seu libreto foi baseado em três fontes: o Gênesis, o Livro dos Salmos e no épico Paraíso Perdido de John Milton (1608-1674). Três solistas representam os anjos: Gabriel (soprano), Uriel (tenor) e Rafael (baixo), que narram e comentam os seis dias da criação.
Está dividida em três partes e, como era tradição nos oratórios, números musicais amplos (árias e coros) são geralmente precedidos de breve recitativo (passagem em que uma personagem faz um relato, comenta uma acção ou estabelece diálogo com outro protagonista fazendo avançar a acção)

A primeira parte descreve a criação da luz primordial, da Terra, dos corpos celestes, dos corpos aquáticos, da atmosfera e o nascimento das plantas, concluindo-se no final do quarto dia da criação.







A segunda parte comemora o 5º e 6º dias em que Deus cria as criaturas do mar, pássaros, animais, e por último, o homem.








Na terceira parte o cenário é o Jardim de Éden, onde Adão e Eva passeiam felizes antes do pecado original.


Os episódios de música instrumental correspondem ao que de melhor se fez em música programática: o aparecimento do sol, a criação dos vários animais, e acima de tudo na abertura, a famosa descrição do Caos antes da criação com a utilização de uma harmonia tão audaciosa que alguns especialistas a apontam como percursora das revoluções musicais do século XIX.

A obra conclui com uma fuga dupla baseada no texto "Des Herren Ruhm, er bleibt in Ewigkeit" (A obra do senhor durará para sempre), com passagens para os solistas e uma secção final homofônica e grandiosa.
As partes do coro são de um estilo grandioso e monumental, muitas celebrando o fim de um dia particular da criação.

Haydn procurou imprimir um som bem mais grandioso que o padrão da época, tendo inclusive, logo após a estréia, adicionado novos instrumentos. Quando "A Criação" foi apresentada ao público, os músicos chegavam a 120 e o coro tinha 60 vozes!!!!

Para ilustrar escolhi como exemplo a longa secção que encerra o final do 6º dia (final da segunda parte da oratória) "Vollendet ist das große Werk" (Terminada está a gloriosa obra,).
Inicialmente parece um coro final de acção de graças para glorificar a obra de Deus no entanto, em vez de concluir, dá início a um Adagio para os sopros introduzindo um dueto sereno entre Gabriel e Uriel expressando a humildade perante o Criador. Subitamente, as cordas graves entram em uníssono "escurecendo" a harmonia e Rafael evoca momento sombrio em que Deus vira a Sua Face (notar como a orquestra evoca subtilmente o tremor perante a ausência de Deus). O trio que se segue entre os três arcanjos cita "A flauta Mágica" de Mozart entretanto já falecido (uma comovente homenagem do seu amigo e admirador) retoma o ambiente de serenidade e de esperança. Finalmente a esperada conclusão do coro num contraponto maravilhoso !!!



CORO
Vollendet ist das große Werk, (Terminada está a gloriosa obra)
Der Schöpfer sieht's und freuet sich. (O criador a contempla e se alegra)
Auch unsre Freund' erschalle laut, (Ressoe a nossa alegria em viva voz)
Des Herren Lob sei unser Lied! (Que o nosso canto louve o Senhor)

GABRIEL, URIEL
Zu dir, o Herr, blickt alles auf. (Tudo Te contempla Senhor)
Um Speise fleht dich alles an. (Tudo Te implora alimento)
Du öffnest deine Hand, (Se abres a Tua Mão)
Gesättigt werden sie. (Tudo se satisfaz)

RAFAEL
Du wendest ab dein Angesicht, (Mas se afastas a Tua vista)
Da bebet alles und erstarrt. (Tudo então treme e estremece)
Du nimmst den Odem weg, (Se reténs o Teu hálito)
In Staub zerfallen sie. (Tudo cai transformado em pó)

GABRIEL, URIEL, RAFAEL
Den Odem hauchst du wieder aus, (E se de novo os animais)
Und neues Leben sproßt hervor. (Retornam à vida novamente)
Verjüngt ist die Gestalt der Erd' (Rejuvenesce a terra inteira)
An Reiz und Kraft. (E reencontra a sua força e a sua atracção)

CORO
Vollendet ist das große Werk, (Concluída está a gloriosa obra)
Des Herren Lob sei unser Lied! (Seja o nosso cântico um louvor a Deus)
Alles lobe seinen Namen, (Que tudo o que existe louve o Seu Nome)
Denn er allein ist hoch erhaben! (Pois só Ele é Grande!)
Alleluja! Alleluja!


Deixo aqui a sugestão do site de onde fiz o link e que contêm outros exemplos de outras obras de música inteiramente legal da Collegium Musicum Salzburg :


http://www.collegium-musicum.at/?lang=&m=hoerproben.


Aqui está um exemplo de como os próprios artistas podem promover o seu trabalho...

sábado, 1 de dezembro de 2007

Bernstein

Perante esta maravilha !!! só me resta remeter ao silêncio...