quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

"Nun schwanden vor dem heiligen Strahle"

Para ilustrar o post de hoje preferi não iniciar com a famosa introdução (a representação do caos) de "A Criação", maravilhosa mas talvez mais difícil de apreciar por "ouvidos inexperientes".
Assim optei por uma das minhas passagens favoritas e que, creio ilustrar na perfeição todo o espírito desta obra assim como a mestria do Haydn.
Trata-se da primeira ária do oratório "Nun schwanden vor dem heiligen Strahle" (Então, diante dos raios sagrados se desvaneceram) e que é cantada pelo tenor que interpreta Uriel e a posterior intervenção do coro. Como curiosidade refira-se que o anjo Uriel "o fogo de Deus", está associado a vários aspectos da tradição judaica: é simultaneamente guardião do paraíso e também detentor da chave que abrirá as portas do inferno no final dos tempos sendo apresentado como um executor implacável da justiça de Deus.

Voltando à oratória, estamos no final do primeiro dia, logo após a criação da luz (momento extraordinário a que voltaremos um dia destes) e a ária começa gentilmente descrevendo o desaparecimento das trevas e assinalando o nascimento do primeiro dia em que a ordem impera sobre o caos. No entanto, a elaboração orquestral deste episódio deixa antever que Haydn tinha mais em mente do que este afável lirismo. De facto a fuga dos espíritos infernais para o abismo conduz a música para a tonalidade de dó menor e uma certa agitação na orquestra. A queda dos espíritos arrasta consigo todo o desespero, fúria e terror que é cantado por um coro sobressaltado. A ária não termina sem o regresso á calma com triunfo da palavra de Deus.
Esta "simetria por contraste" (lirismo/agitação/lirismo) é uma das características típicas do Classicismo.


URIEL

Nun schwanden vor dem heiligen Strahle (Então, diante dos raios sagrados se desvaneceram)
Des schwarzen Dunkels gräuliche Schatten: (As sombras e as horríveis trevas:)
Der erste Tag entstand.(Nasceu o primeiro dia)
Verwirrung weicht, und Ordnung keimt empor.(A confusão cede e a ordem impõe-se)

Erstarrt entflieht der Höllengeister Schar (Horrorizada, a multidão de espíritos infernais foge)
In des Abgrunds Tiefen hinab (Para as profundezas do abismo)
Zur ewigen Nacht. (Para a noite eterna)

CORO

Verzweiflung, Wut und Schrecken (Desespero, fúria e terror)
Begleiten ihren Sturz, (Acompanham a sua queda)
Und eine neue Welt (E um novo mundo)
Entspringt auf Gottes Wort. (Surge criado pela palavra de Deus)



Pieter Brueghel "A queda dos Anjos"

Uma nota final apenas para dizer que a interpretação continua a ser da Collegium Musicum Salzburg (como no post anterior). Não é das minhas favoritas: um tempo mais rápido permite ao coro transmitir melhor a agitação que acompanha a queda dos demónios no abismo. De qualquer forma, esta versão cumpre a sua função...

2 comentários:

  1. Não desgosto deste tempo um pouco mais lento, confesso que consigo com este tempo perceber melhor o texto o que para mim é importante, não sei se para todos será ... Fez bem (acho eu) em utilizar esta área. É lindissima. Em relação ao classicismo eu diria que é o contraste de que fala adicionado à contenção.

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  2. Pois... O difícil é aumentar a velocidade mas mantendo a clareza (isso são grandes interpretações !!!). Concordo com a observação que fez, o classicismo procura o equilíbrio, o Romantismo deixará de ter essa preocupação de contenção.

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