domingo, 9 de dezembro de 2007

Die Schopfung

Prometi há tempos voltar a escrever sobre "Die Schopfung" (A criação) do compositor Franz Joseph Haydn. Aliás, devido à quantidade de tesouros que encerra, terei que voltar ao tema algumas vezes. Sempre que me ponho a ouvir esta obra, espanta-me o facto de ser tão pouco ouvida e executada entre nós e avancei já (num post anterior) algumas prováveis razões para justificar esse facto.
"A Criação" pertence ao género do oratório que tinha atingido o seu apogeu durante o Barroco e que se encontrava em declínio em finais do século XVIII, embora Haydn já tivesse composto o "Stabat Mater" (1767), "O Regresso de Tobias" (1775) e "As Sete Últimas Palavras de Cristo" (1796).

Este género de inspiração religiosa assemelha-se à opera uma vez que utiliza solistas, coros, orquestra, mas difere desta porque não é interpretada com cenários mas sob a forma de um concerto. Esta "bidimensionalidade" um pouco estática do oratório, juntamente com a sua, habitualmente longa, extensão foram responsáveis pela ausência do género na minha estante de CDs até eu descobrir as "Paixões" de Bach e o "Stabat Mater" de Pergolesi, obras em que a música ecoa no mais profundo sentir da relação do homem com o divino e cuja enorme espiritualidade impressiona, mesmo o ouvinte não crente.

Estes foram os meus primeiros oratórios, logo seguidos dos exuberantes e cativantes de Mendelsonn e, claro os de Haydn. Estes últimos destinados a atingir mais directamente o público, abandonado o tom de recolhimento e de meditação dos antecessores.

Haydn começou a trabalhar na Criação em 1796 e terminou em Abril de 1798. É pois um Haydn no final da vida que retoma a composição de grandes obras; para além de "A Criação", comporá também "As Estações"(1801).

A obra foi estreada num concerto privado no dia 29 de abril de 1798 no salão do Palácio de Schwarzenberg em Viena, foi executada cerca de quarenta vezes nesta cidade durante a vida de Haydn e também em vários países da Europa dos quais se destaca a Inglaterra no Covent Garden em Londres em 1799 numa versão em Inglês.


"A Criação" (Die Schopfung) descreve a criação do mundo e seu libreto foi baseado em três fontes: o Gênesis, o Livro dos Salmos e no épico Paraíso Perdido de John Milton (1608-1674). Três solistas representam os anjos: Gabriel (soprano), Uriel (tenor) e Rafael (baixo), que narram e comentam os seis dias da criação.
Está dividida em três partes e, como era tradição nos oratórios, números musicais amplos (árias e coros) são geralmente precedidos de breve recitativo (passagem em que uma personagem faz um relato, comenta uma acção ou estabelece diálogo com outro protagonista fazendo avançar a acção)

A primeira parte descreve a criação da luz primordial, da Terra, dos corpos celestes, dos corpos aquáticos, da atmosfera e o nascimento das plantas, concluindo-se no final do quarto dia da criação.







A segunda parte comemora o 5º e 6º dias em que Deus cria as criaturas do mar, pássaros, animais, e por último, o homem.








Na terceira parte o cenário é o Jardim de Éden, onde Adão e Eva passeiam felizes antes do pecado original.


Os episódios de música instrumental correspondem ao que de melhor se fez em música programática: o aparecimento do sol, a criação dos vários animais, e acima de tudo na abertura, a famosa descrição do Caos antes da criação com a utilização de uma harmonia tão audaciosa que alguns especialistas a apontam como percursora das revoluções musicais do século XIX.

A obra conclui com uma fuga dupla baseada no texto "Des Herren Ruhm, er bleibt in Ewigkeit" (A obra do senhor durará para sempre), com passagens para os solistas e uma secção final homofônica e grandiosa.
As partes do coro são de um estilo grandioso e monumental, muitas celebrando o fim de um dia particular da criação.

Haydn procurou imprimir um som bem mais grandioso que o padrão da época, tendo inclusive, logo após a estréia, adicionado novos instrumentos. Quando "A Criação" foi apresentada ao público, os músicos chegavam a 120 e o coro tinha 60 vozes!!!!

Para ilustrar escolhi como exemplo a longa secção que encerra o final do 6º dia (final da segunda parte da oratória) "Vollendet ist das große Werk" (Terminada está a gloriosa obra,).
Inicialmente parece um coro final de acção de graças para glorificar a obra de Deus no entanto, em vez de concluir, dá início a um Adagio para os sopros introduzindo um dueto sereno entre Gabriel e Uriel expressando a humildade perante o Criador. Subitamente, as cordas graves entram em uníssono "escurecendo" a harmonia e Rafael evoca momento sombrio em que Deus vira a Sua Face (notar como a orquestra evoca subtilmente o tremor perante a ausência de Deus). O trio que se segue entre os três arcanjos cita "A flauta Mágica" de Mozart entretanto já falecido (uma comovente homenagem do seu amigo e admirador) retoma o ambiente de serenidade e de esperança. Finalmente a esperada conclusão do coro num contraponto maravilhoso !!!



CORO
Vollendet ist das große Werk, (Terminada está a gloriosa obra)
Der Schöpfer sieht's und freuet sich. (O criador a contempla e se alegra)
Auch unsre Freund' erschalle laut, (Ressoe a nossa alegria em viva voz)
Des Herren Lob sei unser Lied! (Que o nosso canto louve o Senhor)

GABRIEL, URIEL
Zu dir, o Herr, blickt alles auf. (Tudo Te contempla Senhor)
Um Speise fleht dich alles an. (Tudo Te implora alimento)
Du öffnest deine Hand, (Se abres a Tua Mão)
Gesättigt werden sie. (Tudo se satisfaz)

RAFAEL
Du wendest ab dein Angesicht, (Mas se afastas a Tua vista)
Da bebet alles und erstarrt. (Tudo então treme e estremece)
Du nimmst den Odem weg, (Se reténs o Teu hálito)
In Staub zerfallen sie. (Tudo cai transformado em pó)

GABRIEL, URIEL, RAFAEL
Den Odem hauchst du wieder aus, (E se de novo os animais)
Und neues Leben sproßt hervor. (Retornam à vida novamente)
Verjüngt ist die Gestalt der Erd' (Rejuvenesce a terra inteira)
An Reiz und Kraft. (E reencontra a sua força e a sua atracção)

CORO
Vollendet ist das große Werk, (Concluída está a gloriosa obra)
Des Herren Lob sei unser Lied! (Seja o nosso cântico um louvor a Deus)
Alles lobe seinen Namen, (Que tudo o que existe louve o Seu Nome)
Denn er allein ist hoch erhaben! (Pois só Ele é Grande!)
Alleluja! Alleluja!


Deixo aqui a sugestão do site de onde fiz o link e que contêm outros exemplos de outras obras de música inteiramente legal da Collegium Musicum Salzburg :


http://www.collegium-musicum.at/?lang=&m=hoerproben.


Aqui está um exemplo de como os próprios artistas podem promover o seu trabalho...

2 comentários:

  1. Excelente sugestão. Quando entrar no período clássico farei referência ...

    Bom já agora em nota de rodapé, não vai acreditar mas consegui encontrar o livro do Bernstein de que falou no post anterior ... aliás para ser rigoroso a minha esposa encontrou e fez-me a surpresa! Um grande bem haja por ter falado desse livro que sinceramente desconhecia.


    E hoje na Mezzo pude ver Bernstein a conduzir a Filarmónica de Viena ... Perfeito, Perfeito, só se tivesse sido a 7ª :-)

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  2. Mas que bela surpresa!!!
    Fico satisfeito. Estou certo de que vai adorar o livro.
    Também sou um apreciador do canal Mezzo mas por falta de tempo não consigo ver muitas vezes embora sempre vá dando para dar uma espreitadela...

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