quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Concerto para quatro cravos BWV 1065

Como deve ter reparado, caro leitor, tem sido difícil manter uma certa assiduidade no Organum.
Quando o trabalho aperta apenas tenho tempo para postar umas "curtas literaturas" no Portalivros.
Não é fast-food, apenas altíssima qualidade condensada em poucas linhas (modéstia a parte... embora os poemas não sejam meus). E acho que já fiz publicidade suficiente...
Quanto ao post de hoje, apeteceu-me dar um salto de alguns séculos para regressar ao barroco. E isto a propósito de um concerto que tenho estado a ouvir nos últimos dias... uma das famosas obras de Bach: O concerto para quatro cravos, o BWV 1065.
Estranho ! Quatro cravos, quatro solistas ? Comovente, inocente e belo, incrivelmente belo… E a sua ligação ao padre ruivo: Vivaldi !

Por volta de 1730, Bach tinha transcrito uma série de desassete concertos para tecla com um objectivo puramente pedagógico. Com a sua honestidade, anotava a origem da versão
No caso deste concerto, Bach anotou o subtítulo "segundo Vivaldi"


"Pelo menos no andamento lento, a obra é assombrosa, divagando, sem tema, num nevoeiro sonoro sem equivalente. Bach, sempre atento a audácias profícuas, não se tinha enganado e parece surpreendente que nenhum comentador tenha tido a ideia de determinar aquilo que, num objecto sonoro tão estranho, provém deste "Vivaldi" desconhecido e aquilo que pertencerá ao próprio Bach. Até final do séc XVIII, (...) dicionários eminentes, eruditas histórias da música (Gerber, Orloff) limitaram-se a repetir as mesmas historietas, reduzindo a memória de Vivaldi à de um grande virtuoso um pouco excessivo. Nada melhor para precipitar o esquecimento da sua música. Dar-se-iam conta de que nada na época, nem em Bach (cujo temperamento conduzia em direcção a uma música inteiramente diferente!) nem em nenhum outro compositor, tinha qualquer semelhança com esse andamento espectral do Concerto para quatro cravos? Não, limitaram-se a concluir que partindo dum esboço insignificante, se estava perante uma experiência bizarra dum Kantor fatigado (…) Mas ninguém parece ter-se preocupado muito, talvez porque à semelhança dos Contos de Grimm ou da catedral de Colónia, Bach não podia ser senão inteiramente germânico: não tinha ele composto, quase simultaneamente, a não menos visionária Fantasia cromática ? Pelo menos aí, aqueles que iriam preparar a chegada de Wagner podiam reconhecer-se !" - Marcel Marnat

Sobre este belíssimo texto apetece-me acrescentar que muita da história da música ocidental dos periodos Barroco e Clássico (pelo menos !!!) viveu dessa tensão entre a música italiana e a germânica. Bach soube conciliar estes dois "mundos" de forma admirável.

Voltando ao concerto, é em 1850 que um musicólogo alemão descobre que o concerto para quatro cravos é uma transcrição do concerto nº10 do opus III de Vivaldi.



Nessa época o compositor veneziano era pouco conhecido e respeitado e por isso a descoberta foi desvalorizada e até esquecida. Havendo até quem procurasse inverter a verdade dos factos ao afirmar que teria sido o Padre Ruivo a transcrever a obra do Mestre !!! O que Bach diria se fosse vivo…
E a música de Vivaldi permaneceu esquecida sob a poeira dos arquivos…

Em 1905 ! Arnold Schering descobriu e estudou na Biblioteca do estado de Saxe vários manuscritos de Vivaldi e irá restituir ao veneziano, na sua "História Fundamental do Concerto" (Geschichte des Instrumentalkonzerts), o estatuto que lhe pertence, tanto no plano formal como no da invenção instrumental.

Apraz-me dizer que a maior injustiça que se pode fazer a Vivaldi é não ouvir a sua música (ainda hoje, muito da sua obra está ainda por gravar!). Nesse aspecto nada como a união de dois génios para comemorar a verdadeira grande música...

Comecemos então pela transcrição de Bach, aqui com um conjunto de interpretes de luxo: Argerich, Kissin, Levine e Pletnev.




Continuamos depois com a versão original de Vivaldi:

O concerto para quatro violinos nº 10 op. III

Nesta interpretação intervêm Pinchas Zucherman, Ivry Gitlis, Isaac Stern, Ide Haendel, Shlomo Mintz, Daniel Benyanini e a Israel Philharmonic Orchestra dirigida por Zubin Metha.

Tantos !!! Que tal tentar identificá-los ?

1º Andamento



2º Andamento (o tal "andamento espectral")






3º Andamento




Á tua memória:

Kitty (1993-2008)

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