domingo, 27 de janeiro de 2008

A Morte e a Donzela

Ainda outro exemplo da tonalidade de ré menor.
Podemos descer ainda mais fundo no desespero humano até ao conformismo...


Edvard Munch (1863-1944)


Der Tod und das Madchen (A morte e a donzela) o lied (canção) de Schubert deu o nome a um célebre e belíssimo quarteto de cordas, o número 14 op. posth D.810. O tema desta canção é retomado no segundo andamento (Andante) do quarteto, daí o seu nome.

Apresento também aqui o primeiro andamento, pela sua beleza...


1ºAndamento





(Alban Berg Quartet)
2º Andamento





(Alban Berg Quartet)
O lied:





(Regine Crepin 1927-2007)

Das Mädchen (A donzela):


Vorüber! Ach, vorüber! (Vai-te embora ! Oh Vai-te embora ! )
Geh, wilder Knochenmann! (Vai-te, cruel esqueleto ! )
Ich bin noch jung, geh Lieber! (Ainda sou nova, vai !)
Und rühre mich nicht an. (E não me toques.)


Der Tod (A Morte):


Gib deine Hand, du schön und zart Gebild! (Dá-me a tua mão, bela e delicada forma!)
Bin Freund, und komme nicht, zu strafen. (Sou uma amiga, e não vim para te castigar. )
Sei gutes Muts! ich bin nicht wild, (Alegra-te! Eu não sou cruel, )
Sollst sanft in meinen Armen schlafen! (Dormirás docemente nos meus braços! )

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Der Hölle Rache kocht in meinem Herzen


Peço desculpa pela repetição da ária do post anterior, mas não consegui resistir em colocar aqui o texto para que pudessemos apreciar melhor o "casamento" perfeito entre música e palavra.
Ao mesmo tempo que vamos fixando a tonalidade sombria de ré menor os nossos ouvidos...


A Rainha da noite investe furiosa por Tamino se ter consagrado ao lado inimigo dos iniciados e louca de raiva entrega a sua filha Pamina um punhal ordenando-lhe que mate Sarastro, para que se cumpra a vingança infernal a que aspira... (II acto da Flauta Mágica de Mozart)





(Diana Damrau como Rainha da Noite, O traje é maravilhoso !!!)

Der Hölle Rache kocht in meinem Herzen, (A vingança do inferno ferve em meu coração)
Tod und Verzweiflung (Morte e desespero)
flammet um mich her! (ardem em mim!)
Fühlt nicht durch dich (Se através de ti)
Sarastro Todesschmerzen (Sarastro não sentir a dor da morte)

So bist du meine Tochter nimmermehr. (Então não mais serás minha filha.)

Verstossen sei auf ewig, (Para sempre serás por mim repudiada)
Verlassen sei auf ewig, (Para sempre serás por mim abandonada)
Zertrümmert sei'n auf ewig (Para sempre serão destruidos)
Alle Bande der Natur (Todos os laços da Natureza)

Wenn nicht durch dich! (Se através de ti !)
Sarastro wird erblassen! (Sarastro não empalidecer!)
Hört, Rachegötter, (Ouçam Deuses da vingança)
Hört der Mutter Schwur! (Ouçam o juramento de uma mãe)

Site oficial de Diana Damrau (vale a pena ver...): http://www.diana-damrau.com/2007/en/vita.html

sábado, 19 de janeiro de 2008

Mozart e a tonalidade de ré menor

Embora seja redutor considerar a harmonia o único veículo de atribuição do carácter de uma peça musical, este tipo de associações parece, no entanto estar bem documentada.

Para alguns compositores, certas tonalidades assumiam um carácter tão marcado que apareciam associados a obras musicais de espírito semelhante.

No caso de Mozart, é famoso o caracter trágico associado à tonalidade de ré menor...

Apresentam-se em seguida alguns dos exemplos mais famosos:

Concerto para piano No. 20 em ré minor, K.466, aqui na interpretação de Friedrich Gulda (1930-2000) e a Filarmónica de Munique.








Fantasia em ré menor K397 também na interpretação pouco convencional de Friedrich Gulda.









A famosa ária da Rainha da noite no segundo acto de A Flauta Mágica, "Der Hölle Rache kocht in meinem Herzen" (A vingança do inferno ferve no meu coração) pela soprano Luciana Serra.







O início da abertura da Ópera Don Giovanni conduzida pelo maestro James Levine à frente da Metropolitan Opera orchestra.







...e na cena final, em que o espírito do comendador aparece para arrastar a alma de Don Giovanni para o inferno. Da mesma gravação do exemplo anterior com Bryn Terfel como Don Giovanni.







Ré menor é a tonalidade da última obra de Mozart, a Missa de Requiem.

(Georg Solti e a Filarmónica de Viena).






quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Tonalidade e Carácter

Wassily Kandinsky, Composição VII, 1923


"Muitos musicólogos têm atribuido a cada uma das tonalidades um caráter, expressão ou colorido especial. Não se pode determinar de um modo absoluto o caráter de cada tom, pois isso depende de reações subjetivas de cada indivíduo. Contudo, alguns musicólogos, como Gevaert e Lavignac, caracterizam os tons de acordo com a tabela que apresentamos a seguir.


Tons maiores

fá sustenido maior - rude
si maior - enérgico
mi maior - brilhante
lá maior - sonoro
ré maior - alegre, vivo
sol maior - campestre
dó maior - simples, natural
fá maior - rústico
si bemol maior - nobre, elegante
mi bemol maior - enérgico, sonoro
lá bemol maior - suave, meigo
ré bemol maior - cheio de encanto, suave
sol bemol maior - doce e calmo

Tons menores

sol sustenido menor - muito sombrio
dó sustenido menor - brutal, sinistro
fá sustenido menor - rude, aéreo
si menor - selvagem ou sombrio, mas enérgico
mi menor - triste, agitado
lá menor - simples, triste
ré menor - sério, concentrado
sol menor - melancólico
dó menor - dramático, violento
fá menor - triste, melancólico
si bemol menor - fúnebre ou misterioso
mi bemol menor - profundamente triste
lá bemol menor - lúgubre, aflito "


Este era mais um jogo musical que costumava jogar.
Escolhia aleatoriamente uma peça musical e procurava verificar a veracidade destas tabelas.
Que tal experimentar ?


L.W. Beethoven, primeiro andamento da Sonata para piano em dó menor op. 111
Claudio Arrau
"dramático e violento"







F. Chopin, Nocturno no. 8 op. 27 no. 2 em ré bemol maior
Maurizio Pollini
"cheio de encanto e suave"



quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Waltz for Debby



Há noites assim, só me apetece estar deitado a ouvir.
E talvez eu hoje esteja um pouco nostálgico sem vontade para grandes teorias ou jogos musicais...

Bill Evans (1929-1980)



domingo, 13 de janeiro de 2008

As sinfonias de Robert Schumann (1810-1856)

Como apreciador do género sinfónico, deparei-me a certa altura com o universo de Schumann sem conhecer devidamente a dimensão da sua obra pianística que é considerada bem mais importante que a sua obra sinfónica.
Como ouvinte avisado e, talvez demasiado racional, fui procurar informação escrita sobre as suas quatro sinfonias (parte principal, mas não única do seu corpus sinfónico).


Transcrevo de seguida alguma informação recolhida:
"Em contrapartida, a sua música sinfónica e concertante sofreu muito com os julgamentos depreciativos em relação aos seus procedimentos de orquestração. De facto, nota-se facilmente que a instrumentação de Schumann não parece, como no piano, uma necessidade de acto criativo - com as suas harmonias sem clareza, as suas sonoridades maciças, por vezes opacas. E é um facto que a invenção musical se encontra aí menos constantemente sustentada." (Tranchefort, Guia da Música Sinfónica, Gradiva)

São, portanto quatro as sinfonias de Robert Schumann, a saber:

Sinfonia nº1, em si bemol, "da Primavera" (op. 38); composta em 1841. Diz-se que foi esboçada em quatro dias !!! e é a expressão da felicidade do compositor que acabara de casar com a sua amada Clara.

Sinfonia nº2, em dó maior (op. 61); Cronologicamente é a terceira sinfonia tendo sido iniciada em Dezembro de 1845 e terminada no ano seguinte. Na altura em que se manifestaram os primeiros sintomas da doença que seria fatal para o compositor. Nas palavras do próprio - "posso bem dizer que é a resistência do espírito que é aqui manifestada e que procurei lutar contra o meu estado..."

Sinfonia nº3, em mi bemol maior "Renana" (op. 97); Foi escrita em Dezembro de 1850 e estreada no ano seguinte. Apesar do seu número é, cronologicamente a segunda. O seu apelido "Renana" provém do subtítulo inicialmente previsto pelo músico - "Episódio de uma vida nas margens do Reno". O primeiro e o penúltimo andamentos são tão extraordinários que merecem um post próprio...

Sinfonia nº4, em ré menor (op. 120); Cronologicamente, esta é a segunda (confusos ?). Tal como a primeira sinfonia foi composta em 1841, mas a sua instrumentação foi revista em 1851 (quando já tinham sido estreadas a segunda e a terceira). O seu título original diz tudo "Fantasia Sinfónica". É a mais original das sinfonias de Schumann uma vez que os quatro andamentos se encadeiam sem interrupção (indicação expressa pelo compositor) e põe em prática um procedimento que viria a ser utilizado mais tarde por outros compositores: o princípio cíclico em que os temas principais reaparecem ao longo dos vários andamentos.

Pode dizer-se que o pobre Schumann foi vítima, à partida, de alguma avaliação precipitada da minha parte, uma vez que as duas gravações de que dispunha não me entusiasmaram por aí além, salvo talvez, numa delas o majestoso primeiro andamento da sua "Renana".

Mas por vezes uma determinada versão gravada pode mudar completamente a nossa perspectiva de uma determinada obra musical.

Este é precisamente o caso da versão de Gardiner e a Orchestre Revolutionnaire et Romantique que mudou completamente a minha opinião sobre a tão criticada orquestração de Schumann.
Nesta gravação, as sinfonias de Schumann aparecem sob uma luz completamente nova permitindo apreciar muitas das descobertas tímbricas e o arrojo formal do compositor que brilha com a luz própria dos génios.

É certo que se nota aqui e ali a ausência de subtileza que abunda em Beethoven e Haydn, por exemplo e que o substrato melódico tende a subjugar a orquestração ao ponto de se notar demasiado a intenção da escrita. Em certas gravações a fusão excessiva dos vários intrumentos resulta nas citadas "harmonias sem clareza" e nas "sonoridades maciças, por vezes opacas".

Em minha opinião, o segredo desta versão está na clareza com que é possível ouvir todos os naipes orquestrais. Por exemplo, uma certa rudeza nos timbales e nos metais ajuda a distingui-los melhor das cordas graves ao contrário do que acontece normalmente com a maior parte das gravações em que o som demasiado "redondo" desses dois naipes se funde com o resto da orquestra resultando na tal opacidade já referida. A orquestra cria assim um som menos maciço mas mais intimista aproximando-se mais das formações de câmara.
Um procedimento semelhante, embora com algumas nuances também foi usado numa das minhas versões preferidas das sinfonias de Beethoven de que falarei brevemente.

Esta é, de facto, imperdível ...

Composer: Robert Schumann
Conductor:
John Eliot Gardiner
Performer:
Susan Dent, Gavin Edwards, Robert Maskell, Roger Montgomery
Orchestra:
Orchestre Revolutionnaire et Romantique
Audio CD (April 28 1998)
SPARS Code: DDD
Number of Discs: 3
Label: Universal Music Group
Run Time: 204 minutes
ASIN: B000006PKI

(fonte Amazon.com)

E para que o post não fique sem música andei à procura no Youtube e não encontrei a versão de Gardiner mas uma gravação histórica com o maestro Carl Schuricht (1880-1967) considerado um especialista no reportório germânico desde Schubert a Mahler".

Admirado por Celibidache, é também conhecido pela interpretação apaixonada das sinfonias de Bruckner, sobretudo da sua gravação da sinfonia nº5 realizada em Viena em 1963 e considerada por muitos a melhor versão da obra. (fonte Wikipedia)

Schuricht dirige aqui o primeiro andamento da sinfonia nº3 "Renana" (op.97)




terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Números e Música

www.kazuya-akimoto.com/blog1/2006/12/

Quando voltei a ouvir a oratória "A Criação" reparei, pela primeira vez na omnipresença de um determinado número na obra. Subitamente lembrei-me de vários compositores que organizaram as suas obras em torno de certos números e símbolos.

Para além de Bach de que falarei, certamente no futuro. Há o caso paradigmático de Mozart e a sua famosa ópera "A Flauta Mágica".




Voltei a consultar alguns livros e, lá estava a referência:

"A simbologia maçónica está presente em todo o enredo desenvolvido por Schikneder e por Mozart. (...) O número três é uma constante em toda a obra. três génios da floresta, três aias da rainha, três sacerdotes, três altares, três escravos (...)" E prossegue com exemplos atrás de exemplos...

Voltando à "Criação" fixei as seguintes:


- As três partes do oratório (ao contrário das habituais duas),


- Os três anjos Gabriel, Uriel e Rafael,


- A estrutura tripartida: Recitativo-Aria-Coro que descreve cada um dos dias da criação.


- Os grandes trios e coros com trio constituem sem dúvida pontos fulcrais no oratório: "Die Himmel erzählen die Ehre Gottes" (Os céus proclamam a glória de Deus); " Der Herr ist groß in seiner Macht" (O Senhor é grande em seu poder); "Vollendet ist das große Werk" (concluída está a gloriosa obra); só para citar alguns exemplos.


Esta obsessão pelo número três estará provavelmente também relacionada com a filiação maçónica de Haydn.

Convido os leitores a encontrarem outras "coincidências" nesta partitura naquilo que não deixa de ser mais um "jogo musical"...

Para ilustrar ficaremos precisamente com um desses famosos coros em que intervêm também os três arcanjos: "Die Himmel erzählen die Ehre Gottes" (Os céus proclamam a glória de Deus) e que encerra a primeira das três partes da oratória.

Que maravilhosa glorificação do número 3 !!!




CORO

Die Himmel erzählen die Ehre Gottes, (Os céus proclamam a glória de Deus,)
Und seiner Hände Werk (a obra de suas mãos.)
Zeigt na das Firmament. (é testemunhada pelo firmamento)

GABRIEL, URIEL, RAFAEL


Dem Kommenden Tage sagt es der Tag. (O dia que finda diz ao dia vindouro,)
Die Nacht, die verschwand der folgenden Nacht: (a noite desaparecida à noite seguinte:)


CORO


Die Himmel erzählen die Ehre Gottes, (Os céus proclamam a glória de Deus,)
Und seiner Hände Werk (a obra de suas mãos.)

Zeigt an das Firmament. (é testemunhada pelo firmamento)


GABRIEL, URIEL, RAFAEL


In alle Welt ergeht das Wort, (A todo o mundo chega a palavra,)
Jedem Ohre Klingend, (e soa em cada ouvido,)
Keiner Zunge fremd; (e não a estranha nenhuma língua:)

CORO


Die Himmel erzählen die Ehre Gottes, (Os céus proclamam a glória de Deus,)
Und seiner Hände Werk (a obra de suas mãos)
Zeigt an das Firmament. (é testemunhada pelo firmamento)


sábado, 5 de janeiro de 2008

Nos rigores do inverno...

home.earthlink.net/~steveells/pancoast_more.html

Pois é… tenho passado ao lado do Organum. Apenas tive um tempinho para deixar um post no Portalivros (o primeiro de 2008). Mas espero agora poder voltar ao ritmo habitual de publicações.
E como estes dias têm sido tipicamente de Inverno, apetece-me ouvir e falar de Brahms. É precisamente nestes dias cinzentos, húmidos e frios que a sua música se insinua na minha mente e sou tentado a ouvi-la, sentado no sofá a olhar lá para fora.
Brahms, o compositor que rejeita a música programática. Toda a sua música é pura, dizem… abstracta, formal. As emoções não transbordam, transfiguram-se em ideias musicais que são fortemente disciplinadas sendo truncadas nas formas “perfeitas do Classicismo”. Um metal fundido vertido num molde que fixa a sua forma.
O curioso é que eu acho que nada disso define a sua música. Mas quem sou eu para contrariar os especialistas?!!
Para mim a música de Brahms respira a grandiosidade da natureza. Aquela natureza brutal e rude dos dias de Inverno. Vejo chuva, vejo neve… E quando tudo parece precipitar-se sobre nós com aquelas instrumentações densas e pesadas, eis que subitamente se desprende uma melodia tão terna, tão romântica como pode ser o calor de uma lareira, o aconchego de um cobertor... para depois regressar ao espírito inicial, mais severa do que nunca.
Para lá de todas as análises harmónicas ou formais. Há qualquer coisa em Brahms que me escapa nestes raciocínios secos.
Numa palavra: Adoro!!





J. Brams: Excerto do primeiro andamento da Sinfonia nº1 em Do menor, op. 68